De fato, a Unimep marcou um tempo na história contemporânea de Piracicaba. Cada pessoa que vivenciou o período considerado áureo da instituição tem alguma lembrança para contar, boa ou ruim. Seu fim simbólico (como universidade, veja bem), com a venda do Campus Taquaral, neste dia 16 de setembro de 2025, portanto, pode ter significados diferentes a depender do olhar. Da minha parte, não há praticamente nada que se aproveite, que se possa considerar algo a ser preservado na memória. Muito pelo contrário.
Apesar de a relação que estabeleci com a universidade ter atravessado décadas, inclusive na minha fase como jornalista, só recordo ideias perturbadas defendidas em ambiente universitário, seja por professores, alunos e reitores. Ah, sim, as gargalhadas na cantina valem como boas recordações? Ri muito, só que, infelizmente, até mesmo minhas gargalhadas estavam carregadas de resignação.
Não que eu fosse exceção e andasse na contramão das histórias encantadas que se ouvem por aí sobre a Unimep e seu tempo de glória. Sei de muitas pessoas como eu, que sofreram bullying ideológico nas mesmas passarelas da alegria, mas resistiram, sem deixar sinais. Não foi o meu caso. Eu fazia questão de escancarar as Veias Abertas da América Latina de frente. Vou contar um caso para que se tenha a dimensão da encrenca.
Vivíamos o ano de 1989. Eu havia abandonado a Universidade de Londrina (UEL) para concluir meu curso de jornalismo na Unimep. Andava desenxavido. Sabia que ia ser difícil tamanha mudança, porque, em primeiro lugar, o valor da mensalidade em Piracicaba era o olho da cara. Quem conhece a UEL sabe a troca maravilhosa que eu fiz. A Unimep era um monopólio regional. A desgraça era irreversível, por isso eu tinha que me ajustar à cidade e minimizar a minha dor. A cerveja foi a fonte da minha agonia e salvação.
Vários amigos me ajudaram nessa travessia (bem apropriada esta palavra). Recordo aqui pelo menos três fundamentais: Chico Araújo, Chapéu e Elias Ulrich. Enfim, fiz a matrícula, mas era difícil o mês em que eu conseguia quitar a mensalidade sem apuro financeiro. O mais comum era adiar o pagamento para futura negociação. Mas no plano social, procurei ser ativo. Ia em todas as aulas que aconteciam no bar do Alcindo, em frente ao Salão Nobre.
Mas o que marcou mesmo essa fase foi o Salão Nobre. Me convidaram para uma palestra de um representante do governo da Alemanha Oriental, que ia falar sobre educação e cultura naquele antro de autoritarismo. Fui até com boa vontade, mas sabia que não seria surpreendido. Dito e feito. Não deu outra. Não havia poltrona vazia e a esquerda estava em polvorosa com o que acontecia na cidade. A Unimep era uma universidade para formar quadros à esquerda. Eu era um intrometido no ninho.
O ilustre palestrante falou que falou. Encheu os olhos da moçada com mentiras sobre seu país. Eu já era leitor do Estadão naquele tempo e meus gurus intelectuais se chamavam Paulo Francis, Millôr Fernandes, Ivan Lessa, além dos mineiros liderados por Paulo Mendes Campos. Meu humor era a flor da pele e ácido. Ouvi a palestra com paciência. Ao tratar da juventude, era como se os alemães da cortina de ferro vivessem em um mundo encantado e aprendessem a fina arte da diplomacia socrática. A educação era um estrondo e a cultura, impecável.
Só que dias antes havia saído nos jornais brasileiros que o cantor e compositor britânico David Bowie havia feito um show do lado ocidental do muro de Berlim para a moçada do lado oriental. No calor da apresentação, os jovens, enquanto dançavam, foram violentados e dispersos pela polícia com balas de borracha, jato de água e cassetetes. Tudo muito democrático.
Esta foi a minha única pergunta àquele gentil homem: “Se tudo isso que o senhor conta é verdade, no mínimo os jornais brasileiros estão mentindo. Porque as notícias sobre a Alemanha Oriental por aqui não são nada boas”. E detalhei o que aconteceu. Ou melhor, o que os jornais relataram. Perguntei então como pode haver leituras tão dispares sobre um mesmo paraíso. “Alguém deve estar mentindo nessa história, não acha?” Neste momento, 100% da plateia passou a me olhar como se estivesse ali um assassino a ser caçado a pau. Eu fui minguando, minguando, até que escorreguei para o Bar do Alcindo, onde me sentia mais seguro. Esta foi a minha primeira experiência de Democracia na tão badalada Unimep. Só recordo que algum tempo depois, no mesmo ano, o Muro de Berlim veio abaixo.