Acipi foge do humor a favor e acerta
Com o tema Humor Conectado, a amostra paralela ao Salão Internacional de Humor de Piracicaba, na entidade, é um sinal de que o velho 'Ridendo castigat mores' ainda funciona
Ontem (4) estive na abertura da 2a. amostra paralela do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no ala principal, de entrada, da Associação Comercial e Industrial de Piracicaba (Acipi). Me surpreendi, no sentido positivo do termo.
Houve a chatice do cerimonial de abertura, com discursos e tudo o mais? Houve. Mas o roteiro foi curto e os convidados para falar foram sucintos e criativos. Até o deputado Alex Madureira mandou bem no tema. Palmiro Romani (diretor cultural da Acipi) já é por excelência descolado.
Quem não teve paciência de prestar atenção no cerimonial, pode comer bem. A mesa farta compensava qualquer enfado. A estratégia da Acipi, nesse sentido, foi sensacional. Escrevo, que fique claro, com a pena da galhofa, plagiada do genial Machado. Não o ex-prefeito, pelo amor de Deus, mas do criador de Capitu.
Não é para esse introito tosco que me proponho a registrar o evento, mas para elogiar a escolha do tema. Pois quando a própria entidade organizadora da paralela tem como slogan Conectar para Fortalecer, imaginei logo que a proposta da amostra, Humor Conectado, seguiria a mesma toada, do humor a favor, que não existe. Ou melhor existe, mas não conta.
Humor tem que ser crítico. Humor pode ser sutil, mas, se possível, pode atingir a acidez e até a mordacidade. É sua função. Esculachar. Pura verdade. O pior de tudo é quando não temos senso de humor. Os governos autoritários não têm. Mas a população desses países, tem.
Um certo ano conversei aqui em Piracicaba com um cartunista cubano, que fazia sucesso no Salão de Humor. Não recordo o nome dele. Estávamos a caminho de um boteco, provavelmente. Perguntei se em Cuba é possível fazer humor. Ele respondeu: “Claro que é, desde que não se fale mal do governo.” Eu ri, claro. Ele ficou sério. Não vou desenhar.
Como diria o velho Diógenes, aquele da barrica, ‘rindo corrigimos os costumes’ (se não foi isso, foi algo assim). Que em latim, “Ridendo castigat mores”, me faz lembrar de um grande homem de Piracicaba, que aproveito aqui para homenagear: o senhor Noedy Krähenbuhl Costa.
Ele adorava a trema, por isso, considerem-na. Intelectual de grande magnitude (redundante?), foi meu professor de latim, por isso o conhecia muito bem. Um dia lhe perguntei o que mais o impressiona do que o senhor vê nas ruas da idade. Ele me respondeu: “Esses jovens de 50 anos que ainda andam de skate”.
Mas voltando ao estoico Diógenes, certo dia Alexandre, o Grande, parou-o na praça e disse. “Tenho ouvido falar muito bem do senhor e procuro um homem honesto. O que posso fazer para ajudá-lo?”. Respondeu o anarquista grego: “Gostaria que o senhor saísse da minha frente para não atrapalhar (roubar) os raios de sol de que tanto preciso”. (A história diz mais ou menos isso).
Millôr Fernandes dizia que era impossível falar mal de José Sarney, porque ele não tinha senso de humor. Ou seja, ele não entendia a piada. Então, não adiantava fazer piada contra ele porque isso não o atingia.
Quando os irmãos Caruso, após eleição de Lula, disseram que o momento era do humor a favor, percebi o quanto eles estavam ficando velho e sem graça.
Mas a conectividade, que é tema na Acipi, enquanto instituição, Conctar para Fortalecer, está no polo oposto da amostra, que trata da conexão que enfraquece e vem pelas redes sociais. É a conexão que corrompe a vida civilizada; do casal que não se fala mais; do Facebook e congêneres que também proliferam ideias erradas; da educação refém de uma conectividade que não conecta gerações; da velha carteira de madeira, do giz e do cuspe; do amor que perdeu o cheiro, pela distância; da abstração do mundo virtual.
Vale a pena ver a mostra? Claro. É pequena e modesta, mas rica em seu propósito. Tem artistas do mundo todo. Ou melhor, de parte do mundo. E percebemos ali que até o Azebarijão existe e não é invenção de estrategistas de guerra.
Com a amostra (o certo é amostra, porque o evento é uma exposição de obras que pertencem ao Salão oficial, ou seja, é uma amostra), a Acipi se fortalece e se conecta com sua clientela mostrando a real, e foge do humor a favor, que é uma ode ao mau humor.