Avenida Independência do passado e do sonho de uma jovem estudante
Carta da Cápsula do Tempo da EE Sud Mennucci revela como uma aluna do 1º ano imaginou, um século atrás, uma das principais vias da cidade
Por Giovanna Felini Calabria
Transformada ao longo do tempo, a Avenida Independência foi sonhada por Orlandina em sua carta deixada na Cápsula do Tempo da EE Sud Mennucci - Foto: Arquivo Histórico da Câmara
Transformada ao longo do tempo, a Avenida Independência foi sonhada por Orlandina em sua carta deixada na Cápsula do Tempo da EE Sud Mennucci
É quase impossível, a quem vive em Piracicaba, não conhecer a Avenida Independência; seja pela sua extensão, importância, largura, exuberância e relevância urbanística, já que a via interliga diferentes bairros, sendo uma das mais importantes da cidade, e ao longo da qual há um universo amplo de estabelecimentos comerciais e residências.
A denominação oficial da Avenida Independência aconteceu em 1953, por meio da Lei nº 367/1953. Mas o nome da via pública já rondava o imaginário popular muito antes da regulamentação. Três décadas antes, a Resolução nº 302/1922, que trata da desapropriação de uma área de 10.434 metros quadrados pertencente ao Senhor Antônio Ribecco e que declara a faixa de terreno como utilidade pública, já previa que por ali passaria a “Avenida Independência”.
Neste mesmo ano, ou seja, que coincidiria com o evento que a avenida homenageia, uma carta escrita por Orlandina Pereira Sodério, aluna do 1º ano da Escola Normal (atualmente, a Escola Estadual Sud Mennucci), revela que a via pública foi concebida como marco de exaltação ao 7 de Setembro de 1822. A estudante incluiu na Cápsula do Tempo, aberta em 2022, o texto “Um dos melhoramentos da nossa cidade ligado ao nosso centenário”.
A série Achados do Arquivo desta semana transcreve a carta de Orlandina. Não será uma versão resumida, tampouco o objetivo é mexer em uma vírgula sequer desta bela redação. O interesse é apresentar ao leitor um texto com mais de 100 anos e que se divide entre uma descrição do passado e uma visão hipotética do futuro:
Ao professor de Historia do Brasil, em 2022, peço permissão para oferecer ao aluno mais amante da crítica (do 1º ano) este simples trabalho intitulado: “Um dos melhoramentos da nossa cidade ligado ao nosso centenário”
A Avenida Independência foi aberta especialmente para comemorar o 1º centenário da nossa independência.
A noiva da Colina, como todas as cidades americanas é formada de ruas simetricamente dispostas em quadrados. Isto torna suas irmãs, como Limeira e outras, muito monótonas.
Piracicaba, foge no entanto, do meio delas, por ser edificada sobre colinas, que lhe dão alegria ao mesmo tempo que encanto.
Veio quebrar a topografia da nossa cidade a Avenida Independência, que se constitui em curva desde a rua Dr. Paulo de Moraes, até o cemitério, continuando do mesmo modo dai para diante, ate chegar à Escola Agrícola “Luiz de Queiroz”.
Até esta data, Piracicaba não teve uma rua tão larga como a Avenida que conta de 28 a 32 metros de largura. O povo piracicabano preocupou-se por enquanto só com a sua abertura, motivo pelo qual está ainda descalça (é verdade que a cidade apesar de noiva e bela somente agora é que iniciou o seu calçamento).
O transeunte que tiver a infelicidade de percorre-la em dias de vento; vêr-se-a sufocando com o terrível pó que se levanta ao sopro da viração do sul, não obstante ser menos sujeita á poeira que as demais partes da cidade.
No entanto seu clima é bem mais agradável por estar situada mais ao alto.
Em quase toda sua extensão descortinam se telhados, jardins e em certos lugares, [trechosinhos] do rio, tal faixa azulada atirada ao longe entre arvores, isto é, o rio e as arvores de sua margem.
Apesar de contar com muitos defeitos que devem ser revelados, por estar ainda em princípio, já nos dá grande esperança de, marchando a passos lentos, chegar a ser magnífica.
Quantos passos não terá de dar! Quanto trabalho para chegar ao que deve ser!
Porem Piracicaba não desanimará.
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Passam-se os anos. Como está mudada a Avenida! De lado a lado erguem-se árvores dispostas de tal maneira que bem denotam os esforços empregados para obtê-las assim. É maravilhoso vê-las!
E o calçamento! Nem se discute sobre o assunto. Os paralelepípedos foram acabados de ser assentados e com eles a poeira disse um adeusinho todo envergonhado.
Por esse tempo já se começam levantar palacetes aqui e ali. As saúvas que reinavam antes lembram-se com saudades daquele lugar e da cidade, mas não se atrevem a lá voltar de medo da Câmara que agora as pune severamente... Por esse motivo os proprietários, sem receio de perder o seu tempo constroem seus jardins, onde á tarde, vão entregar-se á leitura de jornais, livros, etc., embebidos com o suave perfume da altiva rosa, da violeta humilde, do cravo perfumoso.
Nessa ocasião, já os bondes, que têm hoje, linhas só em número de duas, se cruzarão daqui e dali e a encrencada linha C, então desencrencada, servirá aos moradores desse arrabalde encantador.
Finalmente, no ano de 2022, pelo 2º centenário da nossa independência, quem tiver a felicidade de percorrer a avenida que hoje nos enche de tanta esperança, verá (si os meus castelos não forem agua abaixo) uma fileira de belos edifícios, palacetes de estilo moderno, bondes, carros, automóveis e tudo mais a correr daqui e dali num afã habitual.
Avistará também uma multidão de telhados sob os quase reina a atividade dos homens que trabalham para a manutenção de suas famílias.
Ali, pouco abaixo, a Escola Normal abrigando cabeças estudiosas e inteligentes, cá e lá uma infinidade de escolas espalhadas, onde se aprende a amar, honrar e engrandecer o nome da pátria.
Formará desta maneira com o resto da cidade, um conjunto de arte, podendo-se ver cultivadas por toda parte a música, a mais sublime das artes, a pintura, a literatura, a escultura e tantas outras coisas que competem ao homem civilizado.
Orlandina Pereira Sodéro
Piracicaba, 15 de novembro de 1922.
E. Normal – 1º ano
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.
Revisão: Erich Vallim Vicente
Pesquisa: Giovanna Felini Calabria