Bits, Átomos, Neurônios e Genes: a revolução da convergência
Tema foi tratado por Anderson Rocha na Escola Interdisciplinar FAPESP; segundo o pesquisador, o conhecimento nesses quatro campos está crescendo de forma exponencial e convergindo para um único ponto
Tecnologia como política: regular a IA não é questão técnica, mas social, diz Rocha (IC-Unicamp) (foto: Erika de Faria/Temporal Filmes)
A ciência está deixando de ser um conjunto de campos isolados para se tornar um ecossistema profundamente interligado, no qual avanços em uma área produzem transformações imediatas em outras. Esse processo foi o eixo central da conferência de Anderson de Rezende Rocha, professor do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (IC-Unicamp) e coordenador do Laboratório de Inteligência Artificial “recod.ai”, na Escola Interdisciplinar FAPESP: Ciências Exatas e Naturais, Engenharia e Medicina.
“A revolução que estamos vivendo hoje não é apenas sobre a inteligência artificial. É sobre a convergência de vários campos”, disse Rocha, que chamou esse processo de BANG, sigla para Bits, Átomos, Neurônios e Genes, que comporiam o núcleo da transformação em curso. “Em torno dessas quatro palavras se organiza praticamente toda a revolução científica e tecnológica atual.”
O palestrante detalhou: “Na ciência e na engenharia de hoje, tudo está conectado e tudo produz dados. Isso é o mundo dos bits. Há também um enorme volume de pesquisa em novos materiais, supercondutividade, energia limpa, carros elétricos e outras formas de locomoção. Isso é o domínio dos átomos. Temos ainda grandes projetos, de bilhões de dólares, dedicados a estudar neurônios para compreender a inteligência. E há toda a pesquisa em biotecnologia. Estes são os genes. Então, não podemos falar apenas de IA. Precisamos falar dessas quatro palavras juntas, porque juntas formam o que chamamos de revolução da convergência”.
Segundo Rocha, os avanços nesses quatro grandes campos estão acontecendo de forma ultra-acelerada e convergindo para um único ponto. Seu crescimento não é linear, mas exponencial, e qualquer avanço em um campo impacta diretamente todos os outros. Essa convergência se expressaria, agora, em cinco tecnologias, cuja fórmula é GNR+IoT+AI. “G é Genética e Biotecnologia; N é Nanotecnologia; R é Robótica; IoT é Internet das Coisas; e AI, claro, é Inteligência Artificial”, resumiu.
E acrescentou: “Há outros dois componentes que estão chegando na próxima década: Blockchain, tecnologia que permite contratos inteligentes e transações on-line seguras. E Computação Quântica. Essas sete tecnologias formam o conjunto que chamamos de tecnologias exponenciais e, juntas, constituem a revolução da convergência. Portanto, esqueçam a Indústria 4.0. Isso já é notícia velha. A Indústria 4.0 pensa apenas na indústria. Agora, precisamos pensar na sociedade”.
Rocha deu um exemplo emblemático do que entende por revolução da convergência, um exemplo que conecta os termos G e AI: o CRISPR-Cas9, uma tecnologia de edição genética que funciona como uma “tesoura molecular”, para cortar e modificar o DNA com precisão.
“A ideia é que, com a ajuda da inteligência artificial, você identifica pontos específicos do DNA que precisam ser editados”, afirmou. E lembrou que, em 2020, Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier ganharam o Prêmio Nobel de Química por desenvolverem o CRISPR-Cas9.
“Desde então, vivemos uma verdadeira revolução. Uma revolução no sentido de que podemos usar RNA mensageiro para enviar instruções e editar o DNA. Um exemplo evidente foi a vacina da Pfizer/BioNTech durante a pandemia. Sabemos que a vacina chegou ao público em nove meses. Mas isso se deveu às fases 2 e 3 dos testes clínicos, feitos em seres humanos. O tempo necessário para identificar o ponto específico do vírus a ser neutralizado, a proteína spike, foi de apenas três semanas a quatro semanas. Três a quatro semanas para encontrar os locais específicos no código genético, necessários para o desenvolvimento da vacina. Depois, seis semanas para ajustar os detalhes finais. Ou seja, as primeiras semanas foram essencialmente trabalho de IA.”
O palestrante apresentou, em seguida, exemplos no campo da nanotecnologia, falando das cápsulas endoscópicas, dotadas de câmeras, que, engolidas, percorrem todo o trato gastrointestinal registrando imagens, até serem ejetadas nas fezes. O dispositivo é um notável avanço tecnológico em comparação com a endoscopia tradicional.
“Outro exemplo está aqui no meu bolso, assim como está no bolso de vocês”, referiu-se ao smartphone. “Este pequeno dispositivo tem mais poder computacional, mais poder de processamento, do que o computador que levou os seres humanos à Lua em 1969. Pensem nisso: em 1969, eles usaram um computador do tamanho desta sala para fazer os cálculos que enviaram Neil Armstrong e a equipe ao espaço. Agora, em 2025, cada um de nós, nesta mesma sala, dispõe de um computador muito mais poderoso”, comparou.
A nanotecnologia continua avançando e as possibilidades são ainda mais espetaculares. Rocha mencionou os nanobots, ou nanorrobôs, dispositivos em escala nanométrica que estão sendo desenvolvidos para realizar tarefas específicas no interior do corpo humano. “Por enquanto, eles são um pouco maiores do que as células brancas, que são as maiores células sanguíneas. Mas, se conseguirmos reduzir o tamanho, em breve teremos nanobots capazes de alcançar sistemas específicos dentro do corpo”, disse Rocha. Esses equipamentos, que poderiam ser introduzidos na corrente sanguínea por meio de injeção e ser administrados até por meio de comprimidos, teriam como tarefas reparar células danificadas, atacar tecidos cancerosos de maneira direcionada e ultraprecisa e monitorar a saúde em tempo real.
Em escala maior, os robôs já fazem parte do cotidiano, encarregando-se de tarefas como transporte e limpeza. Todas estas e muitas outras coisas produzem, é claro, uma enorme quantidade de dados ao mesmo tempo. E é aqui que entra a inteligência artificial. Rocha argumentou que existe hoje uma grande controvérsia, muitas vezes alimentada pela fantasia e pelo medo, relacionada à ideia de que a IA vai prevalecer e dominar os humanos. “Nada disso corresponde ao que a IA realmente é. Do ponto de vista pragmático, trata-se de uma tecnologia muito bem definida: qualquer sistema de computador, qualquer software capaz de receber dados do mundo [por meio de sensores, câmeras, da web ou de qualquer outra fonte], processar esses dados, identificar padrões, aprender com eles, organizar o conhecimento em hierarquias e aplicar esse conhecimento para resolver problemas específicos.”
O processo, portanto, envolve sete etapas: receber dados, processá-los, aprender com eles, organizar o conhecimento, aplicar esse conhecimento, modificar o próprio modelo e se adaptar ao longo do tempo. “É engenharia. Não tem mágica”, resumiu o palestrante.
E relatou que, recentemente, alguém lhe perguntou se acreditava que, em poucos anos, a IA dominaria tudo e os humanos seriam obliterados. Rocha respondeu lembrando que as melhores soluções atuais, como aquelas providas pelo ChatGPT e o Gemini, se baseiam na tecnologia conhecida como transformers. Trata-se de uma arquitetura de redes neurais que usa mecanismos de atenção para processar sequências (texto, áudio etc.) de forma paralela, o que a torna muito mais eficiente e poderosa do que redes neurais recorrentes, que processam dados sequencialmente, palavra por palavra.
“No núcleo dessa tecnologia estão três grandes matrizes matemáticas. Tudo é resultado do produto dessas matrizes. Então, eu disse: ‘Sim, as mesmas matrizes que você estudou na faculdade, no curso de graduação. Você realmente acredita que o produto dessas matrizes vai dominar o mundo? Não vai. Mas pessoas que dominam essa tecnologia podem, sim, dominar o mundo’.”
A advertência é clara: se não houver reflexão crítica sobre como usar a IA e como direcioná-la para o florescimento humano, problemas sérios poderão surgir. Por isso, insistiu Rocha, é fundamental entender a tecnologia como política. “Toda tecnologia, por definição, é política, e a IA não é diferente: ela transforma nossas vidas, molda nossos comportamentos e, às vezes, até escolhe coisas por nós. Reconhecer esse caráter político é o primeiro passo para pensar em como utilizá-la para melhorar a sociedade, em como regulá-la e em como conter seus usos nocivos”.
De acordo com o palestrante, regular a IA não é questão técnica, mas social. “A característica mais importante que os humanos precisam desenvolver é a capacidade crítica. A inteligência artificial deve servir para amplificar nossas capacidades de produzir uma inteligência argumentativa, e não para substituir o pensamento humano por algo artificial. Se a inteligência humana é nosso objetivo maior, então surge a pergunta: estamos realmente democratizando a IA? Ou estamos apenas nos concentrando nos aspectos tecnológicos, sem ampliar o acesso e o entendimento crítico?.” Esta foi uma pergunta que Rocha deixou para os participantes como “tarefa de casa”.
Mais informações e reflexões sobre o tema podem ser acessadas no portal da recod.ai:
https://recod.ai/
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
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