Viletim

Viletim

Share this post

Viletim
Viletim
Brasil, ainda está aí?

Brasil, ainda está aí?

“Ainda estou aqui”, apesar das feridas

Avatar de Fábio San Juan
Fábio San Juan
mar 05, 2025
∙ Pago
5

Share this post

Viletim
Viletim
Brasil, ainda está aí?
1
Compartilhar
Oscar 2025: fãs comparam foto de Fernanda Montenegro e Fernanda Torres com  o diretor Walter Salles | Cinema | G1

Walter Salles Jr. e Fernanda Torres, se você ainda não viu esta foto… Eu ainda estou aqui, e você, onde estava?


Existe uma vontade louca dos brasileiros de ter novamente um “campeão nacional”. Como já tivemos um dia com Ayrton Senna e Pelé.

Minha avó diria que é uma sanha, uma vontade louca, de termos de quem, ou do quê, nos orgulhar. Uma compensação pelo nosso complexo de vira-lata, que só é reforçado com más notícias, pouca esperança no futuro, estagnação econômica e brigas entre nós mesmos, de cunhados, noras e genros ficando de mal até à morte, em churrascos de família, por causa de um ou outro bandido da política.

Essa vontade ficou bem expressa pela tentativa, nas redes sociais, de “unir os brasileiros” em torno da torcida para o filme “Ainda Estou Aqui”, na cerimônia de premiação do Oscar, no último domingo, dia 02/03.


Todo país tem, ou quer ter, pessoas ou fatos que lhes inspirem orgulho em seus cidadãos. Algo normal em qualquer país (ok, talvez não tenha no Vaticano, mas lá o orgulho é Pecado Capital). Mas ultimamente, não temos muitos motivos para enchermos o peito e dizermos “sou brasileiro, não desisto nunca” ou “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”.

Acho que os bancos e suas agências de publicidade perderam o entusiasmo por algum motivo, por que será que não inventam mais jingles inspiradores para a torcida brazuca?

Foram-se os tempos de Seleção Canarinho “noventa milhões em ação”, de Fórmula 1 com narração de Galvão Bueno e o “Tema da Vitória” (tan tan tan / tan tan tan), Olímpiadas ou... o que mais?

Essa musiquinha faz falta.


Nem as novelas da Globo, exportadas para todo o mundo, como a “Escrava Isaura”, nem o desfile das Escolas de Samba no Rio de Janeiro, ou a Bossa Nova e Tom Jobim (“O Brasil não é pra amadores”), eram unanimidades ou motivos de orgulho do Povão.

Conquistas, mesmo, são as do esporte. Pelé, Ayrton Senna, Daiane dos Santos.

Você não, Anitta.

Então era só isso mesmo. Nenhum Prêmio Nobel, nenhum Papa nem Secretário das Nações Unidas.

Éramos felizes com os nossos ídolos do esporte, e não sabíamos.

Não há mais dessa felicidade há um bom tempo. Não há nem mais Seleção Brasileira, que dirá conquista da Copa do Mundo.

Até a bandeira nacional foi sequestrada, na onda de polarização política, pelos bolsominions.

Vivemos um vácuo de felicidade cívica, de sentirmos orgulho com o Brasil.

Tão carentes estamos com uma boa notícia, algo que junte as palavras “boa”, “notícia” e “Brasil”, que muitas pessoas vibraram com o Oscar.

Para quem estava em outra dimensão, o Brasil foi premiado com o Oscar de Melhor Filme Internacional, com o filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles Jr. O mesmo que tentou em 1999, com “Central do Brasil”, e não levou.

Mas desta vez levou. Para quem assistiu a cerimônia de premiação (QUATRO HORAS de cerimônia, já cumpri a minha penitênica na Quaresma), parecia o desabrochar de uma nova Era de Ouro para o Brasil.

Só que não.


Recomenda-se fortemente apertar a tecla IRONIA, para os próximos parágrafos.

Quem é de direita não pode gostar de “Ainda Estou Aqui”, sob risco de elogiar um filme que condena o regime militar que, como todos sabem menos os petistas, foi um período injustiçado. Além de ser um período em que ninguém passava fome, o pobre tinha emprego, carne, ovo e café na mesa, e possibilidade de progredir. Quem foi torturado e morto era comunista, então está tudo certo.

Então, mesmo sem ter assistido ao filme, sendo apoiador de Bolsonaro ou de D. Pedro II, quem “é de direita” vai dizer que o filme é ruim e não merece nada, nem o Oscar, nem que as pessoas o assistam. Boicote nele!

Portanto, quem torceu pelo filme e vibrou pela conquista do Oscar é de esquerda. E precisa gostar de “Ainda Estou Aqui”, para marcar posição, e dizer: o filme é ótimo, não por suas qualidades artísticas, e sim pelo assunto, o mundo finalmente descobriu que o Brasil foi violentado por uma ditadura de direita, que oprimiu o povo, apoiada pelos Estados Unidos e...

Pode desapertar o botão de IRONIA.


Como podemos comemorar nacionalmente, como brasileiros, se até uma conquista como o Oscar – um prêmio da indústria de entretenimento, ou seja, algo que deveria ser mais leve que uma disputa entre candidatos a um cargo político, a premiação da habilidade artística de uma equipe inteira de profissionais, dedicada a contar uma história – está viciada com a polarização política?

Agora, pode desapertar o botão INGENUIDADE.


É claro que as histórias têm o poder de inspirar, ou seja, fazer que as pessoas se movam para pensar, planejar, agir. O tipo de ação, será determinado por muitos fatores diferentes. Um deles é a sua orientação ideológica.Pessoas de esquerda, centro, direita, serão inspiradas por histórias diferentes? Algumas, mais universais, sim. Outras, que são feitas com o objetivo explícito de dourar a pílula ou transformar determinadas figuras em herois, não.

Leni Riefenstahl, cineasta alemão do período do 3o Reich, era uma excelente cineasta, só que usou sua arte para endeusar o Führer Adolf e o Partido Nazista. Inspirou nazistas.

Sergei Eisenstein foi um mestre na direção, no entanto, “O Encouraçado Potemkim” é uma ode ao regime soviético, de exceção. Inspirou comunistas.

Nenhum desses exemplos, hipérboles para efeitos de ilustração, nem de longe se aplicam ao filme “Ainda Estou Aqui”.

O livro que foi escolhido para ser adaptado, de autoria de Marcelo Rubens Paiva, narrando o drama do desaparecimento, tortura e morte de seu pai, e do sofrimento da própria família, mostra uma história real. As ferramentas da arte são utilizadas, sem o realismo jornalístico que se exigiria de um documentário: a agonia da família, e especialmente de Eunice Paiva, em busca de notícias sobre Rubens, são um elemento que transforma a história quase num filme de terror. Podemos chamá-lo de terror psicológico. Isso, sem mostrar uma única cena de tortura ou truculência dos militares, que fica subentendida, ou é narrada, sem ser explicitada em imagens.

Creio firmemente que as pessoas que, para não abrirem mão de uma posição política, afirmam ser aceitável, justificável, a tortura e morte realizadas por um governo, contra um cidadão por crime de opinião, perderam sua humanidade há algum tempo. O problema não é gostar ou não do filme, e sim, condená-lo por ser uma história ligada a um ex-deputado que se suspeitava ter ligações com Lamarca, este sim um guerrilheiro, mas morto por uma suspeita, sem processo legal nem julgamento, por um regime militar que tanto idealizam. Como se os militares desses governos fossem herois, pessoas nobres e elevadas moralmente. Inclusive por matar comunistas, ou quem com eles simpatizasse.

Essas mesmas pessoas argumentam que houve guerrilheiros que queriam implantar uma ditadura comunista no Brasil, e que a esquerda os glorifica como herois da resistência ao governo. Sim, isso é verdade, mas mesmo assim, não justifica a tortura muito menos a aplicação da pena de morte de quem quer que seja – esquerdistas ou direitistas, católicos ou umbandistas, torcedores do Corinthians ou do Palmeiras.

O que Walter Salles pode ser acusado é de ser ambicioso: parece ser um objetivo seu ganhar um Oscar. Tanto que utilizou dinheiro do próprio bolso - Salles é um dos proprietários do Banco Itaú Unibanco, com fortuna avaliada em 4,2 bilhões de dólares - para financiar a produção do filme. Que não teve um centavo do dinheiro do contribuinte brasileiro.

Sim, você leu direito: ao contrário das “fake news” que circulam na internet, o filme não teve R$1 milhão da Lei Rouanet, nem a atriz Fernanda Torres recebeu dinheiro do FSA, Fundo Setorial do Audiovisual, do BNDES, nem da Ancine, nem do Ministério da Cultura.

O fato de Salles ter escolhido o livro de Marcelo Rubens Paiva como assunto de seu filme tem mais senso de oportunidde do que oportunismo. Além de explorar humanamente a tragédia que se abate sobre uma família com a perda do pai, tema universal e atemporal, serve também para levantar várias lebres, sobre assuntos sensíveis, como censura, regimes autoritários e truculência de governantes contra cidadãos. No mundo de hoje, de governos à esquerda e também à direita, além de Big Techs e o uso da informação para manipular campanhas eleitorais e a opinião pública. Ou será que não?

Esta publicação é para assinantes pagos.

Já é um assinante pago? Entrar
© 2025 Viletim
Privacidade ∙ Termos ∙ Aviso de coleta
Comece a escreverObtenha o App
Substack é o lar da grande cultura

Compartilhar