Composto de microrganismo da Antártida pode ser usado para produzir alimento, cosmético e remédio
Substância é essencial para garantir a sobrevivência do micróbio em ambiente com características extremas e mostrou ter propriedades antioxidantes, emulsificantes e estabilizantes
Decepción, na Antártida: ecossistema poliextremo, ilha registra temperaturas muito altas ou muito baixas, alterações de pH e intensa radiação ultravioleta (imagem: Andrew Shiva/Wikimedia Commons)
Um composto bioativo produzido pelo microrganismo Bacillus licheniformis, encontrado na Ilha Decepción, na Antártida, tem propriedades que o qualificam para uso na produção de alimentos, cosméticos, produtos farmacêuticos e materiais biodegradáveis.
O achado resulta de projeto liderado pelo Instituto Antártico Chileno e recebe apoio da Fapesp por meio do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) sediado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).
Os resultados da pesquisa foram publicados no International Journal of Biological Macromolecules.
A Ilha Decepción foi escolhida como foco do estudo por ser um ecossistema poliextremo, ou seja, um ambiente com temperaturas muito altas ou muito baixas, alterações de pH e intensa radiação ultravioleta. Tais características obrigam os microrganismos da região a desenvolver habilidades metabólicas e fisiológicas especiais.
Entre essas adaptações está a produção de exopolissacarídeos, polímeros de açúcar que são secretados por bactérias, fungos, leveduras e algas e desempenham papel crucial na sua proteção contra os estresses provocados pelo ecossistema poliextremo. Em ambientes hostis, a substância protege as células microbianas de desidratação, pressão osmótica, substâncias tóxicas e ataques de fagos (vírus que infectam bactérias), além de facilitar a comunicação entre as células (leia mais em: agencia.fapesp.br/41090 e agencia.fapesp.br/53965).
“Por isso, isolamos uma cepa do Bacillus licheniformis encontrada em água fumarólica [líquido presente em uma abertura na crosta terrestre de onde são liberados vapor d’água, gases e minerais provenientes de atividade vulcânica] que, apesar de estar na Antártida, chega a temperaturas superiores a 100 °C, e fizemos a análise do seu genoma”, explica João Paulo Fabi, professor do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da FCF-USP, também apoiado em seus estudos pela Fapesp e um dos autores do artigo.
O sequenciamento genômico identificou genes relacionados à biossíntese de exopolissacarídeos com boa resistência à radiação ultravioleta e adaptação térmica. Além disso, suas propriedades funcionais se revelaram superiores às da goma xantana comercial – produzida pela bactéria Xanthomonas campestris e empregada como espessante, estabilizante e emulsificante na indústria alimentícia, farmacêutica e cosmética (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/estabilizante-a-partir-da-cana/) .
“Essas características tornam o exopolissacarídeo produzido pelo Bacillus licheniformis um forte candidato para aplicações biotecnológicas que exigem estabilidade e bioatividade”, aponta Fabi. “Ele oferece proteção antioxidante, maior vida útil, estabilidade de emulsão e aprimoramento de textura, particularmente em alimentos funcionais. Sua estabilidade térmica e tolerância a pH extremo também o tornam promissor para cosméticos, produtos farmacêuticos e materiais biodegradáveis em diversas outras áreas.”
O artigo Structural characterization and biotechnological potential of an exopolysaccharide produced by Bacillus licheniformis F2LB isolated from Fumarole Bay of Deception Island, Antarctica pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0141813025066711.
Thais Szegö | Agência FAPESP