Está cada vez mais difícil fazer análise política sobre o Brasil e o mundo. Tem-se a impressão de que os filtros da diplomacia clássica desapareceram e a retórica geral tornou-se selvagem em demasia. Deve haver uma forma freudiana para explicar essa mudança, usando termos como Ego, superego e id das nossas lideranças, mas não me arrisco. O fato é que vivemos em um mundo sem livros e sem troca de experiências mais profundas de relações humanas. Os problemas freudianos se democratizaram e não a democracia. Christopher Lasch tratou do tema em A Revolta das Elites.
A tradição democrática perdeu força para discursos segmentados e o emprenho para se tentar compreender o que acontece ao lado esmoreceu, como se uma muralha de significados diferentes tivesse brotado no meio do caminho, em prazo curto, e ninguém percebeu e não quer perceber que não entende mais o que o outro tem para dizer. Ou foi criado um fosso? A metáfora é ao gosto do freguês. Uns levam vantagem, outros se perdem no desencontro de caminhos. Fica cada um no seu nicho e com dificuldades para diálogo, além da indisposição, como se o outro fosse estorvo ou forma de se ganhar dinheiro fácil às suas custas. Uma postura reativa de disputa de território mental se estabelece e o ambiente fica tenso, muitas vezes por pouca coisa e muita falta de sabedoria socrática.
Paulo Francis já dizia que Lula não tem superego. Com isso, ele queria dizer que o filtro social de Lula era baixo, baixíssimo, por isso o ex-sindicalista era incapaz de fazer autocrítica e de perceber o ridículo do que pensa e fala. Mas hoje podemos dizer que o mesmo acontece com Bolsonaro e seus familiares, com Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, com Trump e Putin. O que tem levado a essa exacerbação de emoções, no meu entender, é a ignorância. Sim, a ignorância. Cada nome citado tem lá seu nível de ignorância. Moraes, por exemplo, tem usado até Adam Smith fora da medida do pensamento do economista. Ou seja, há a ignorância erudita de Moraes, que quer esnobar conhecimento, que desconhece.
Trump vive no mundo do que vem sendo chamado de pós-verdade. É um marqueteiro que seus interlocutores precisam se empenhar muito para não chamar de canalha. Agora, Lula é o que ninguém tem coragem de afirma sobre Trump. Quanto a Putin, vive na Guerra Fria e deve levar uma vida isoladíssima, coitado, que só o poder consola. Mas o poder da destruição de tudo, da morte, que mexe com suas determinações e suas vaidades. É gelo bruto e perigoso. Ele mata. Sua linguagem não é desse mundo. Quero dizer, do mundo civilizado.
Bolsonaro e seus filhos se acham representantes do pensamento conservador. Mas leram as orelhas de livros errados e falam pelas orelhas e só fazem coisa errada com suas ideias de jerico. Eu, particularmente, fico triste quando alguém me chama de bolsonarista. Não pelo simples fato de não ser, mas porque o interlocutor me passa a medida da própria ignorância. Fica fácil perceber a régua curta em que se mede e isso me cansa, ciente de que daquela cachola não sai nada de bom. Prefiro tratá-lo como um ágrafo, para ser gentil, e lamentar. Mas procuro não fazer isso. Digo apenas que ele é um imbecil e a vida segue. Pela diplomacia clássica eu não deveria agir assim, mas tentar um diálogo mais profundo, como propõe Lasch. Difícil, hein, porque até os idiotas querem ter razão. No entanto, compartilho da tese de que acabo colaborando para que a retórica bruta e ignara se torne mais e mais selvagem.
No meu entender, sigo, as pessoas abandonaram os livros e não conseguem entender o mundo além da superfície das redes sociais. A bipolaridade é total. Me enoja, por exemplo, a tese de que a crítica a Bolsonaro só pode vir de um lulista ou a crítica a Lula só pode vir de um bolsonarista, por exemplo. Mas é assim que está o jogo, rasteiro. Tenho afirmado, no entanto, que há já um movimento bem sólido no Brasil que não suporta mais esse tipo de postura extremista e sonha com um caminho do meio, que não seja o Centrão. Porque o Centrão é o caminho para todos os meios. Se é que me entende.
Vou tentar não ser muito mais chato e enfadonho do que tenho sido até aqui, mas leiam Christopher Lasch. Ele aponta caminhos e entende que a humanidade está mergulhada em um mundo sem diálogo e sem aprendizado. Sem aprendizado porque não há vontade de entender o outro e o motivo do outro ser o outro. As gerações e seus sonhos se atropelaram. Projeto de vida sucumbiram e barreiras criadas pela própria sociedade e suas ordens econômicas, se colapsaram. Colapsos que vieram de forma sutil e sem entendimento. Não é o sistema que está errado, mas a dificuldade de perceber que ele precisa ser compreendido em seus detalhes e suas limitações, superadas. Muito dessas limitações existe em função da linguagem e de ideias que se perderam em dogmatismos.
O sonho americano, por exemplo, acabou se tornando em pesadelo americano para muitos. Quem o realizou achava que todos podiam realizar. Mas era coisa para poucos. Isso não significa também uma frustração pela economia liberal, mas a abertura para um nível de conversa que democratize o entendimento do jogo e as ações. O sistema não pode ser de porta fechada para uma elite, como um tipo de revolta em que protejo os meus e danem-se os seus. Mas também não é a abertura para uma ordem ditatorial, de direita ou de esquerda, em que iluminados como Lula, Moraes, Gilmar Mendes, Bolsonaro, Trump e Putin lideram. Isso me deixa assustado e com medo até de conversar com os amigos na rua, porque eles também devem estar mergulhados em ideias tortas, como eu.