Em um ambiente sensível
São momentos em que a vida corre sem considerar o tempo que dá à vida
A mosca
Diante da janela da cozinha, eu observava uma grande mosca se batendo na vidraça, pelo lado de dentro da casa. Ela não conseguia ir embora, subia, descia, se metia em algum canto dos trilhos, mas não encontrava saída. Eu havia retirado o protetor de tela da abertura, que permite alguns vãos para fuga de insetos ao quintal, e fechei tudo, devido ao frio. Mas a porta estava semiaberta e havia outros locais da casa onde ela poderia se esconder e escapar do meu olhar. No entanto, a mosca insistia em se bater contra a vidraça e fazia ali sua performance para mim.
A cena me irritou e resolvi dar um basta, assim que terminei de lavar a louça. Corri à procura de um inseticida para matar a mosca. Tentei ser rápido e voltei em instantes à caça da vítima. Procurei, procurei, mas ela já não estava mais ali. Fugiu, escafedeu-se. Chego até a supor que o inseto previu seu destino trágico e tomou uma decisão segura. Mosca pensa? Qual teria sido o estímulo que a fez desaparecer naquele momento crucial para ela? Ou a mosca era apenas um artista amador a me infernizar com o seu talento?
Frases surpreendentes
Era um sonho e eu sabia disso. Há pelo menos dois anos, tenho sonhado muito pouco. Por isso, aquele sonho era importante e sinalizava que a minha saúde estava melhorando. No sonho, eu vivia um contexto em que duas frases maravilhosas surgiram de conversas absurdas, com personagens pouco familiares. Frases de efeito, dessas que sintetizam a vida humana.
Pensei comigo: “Como estou sonhando, deixa-me repetir essas frases várias vezes para que elas fiquem na minha memória quando eu acordar”. Seriam ideais, inclusive, para um bom texto ao site Viletim. Lembro que as repeti, como a um mantra de sabedoria inalcançável na vida real, mas que poderia dialogar com a realidade em profundidade e proporcionar descobertas.
Todo sonho bom ocorre comigo nos últimos minutos do sono. Ou, pelo menos, essa é a impressão. Quando acordei, bati a mão no relógio ao pé da cama. Recordei imediatamente o que havia acontecido durante os meus pensamentos oníricos. Recordei que eu havia aprendido duas frases fundamentais com pessoas distantes para enriquecer meu entendimento de mundo, minhas conversas sociais, meu dia a dia.
Escovei os dentes pensando nos personagens e nas frases, para ver se brotariam no espelho do banheiro. Enquanto preparava o café, tive a certeza de que nem o aroma daquele líquido que me deixa feliz pela manhã faria com as frases saíssem do território do sonho e se transformassem em revelação.
Até agora lembro do sonho e do momento em que as frases foram pronunciadas. Mas perdi a abertura para a revelação de um mistério e me prendi a uma nova ideia fixa, do sonho, como se uma porta mágica tivesse sido fechada diante dos meus olhos e se movido para o além.
Inverter essa sina em minha vida, quer seja, escapar de ideias fixas, como a de que estou prestes a revelar um segredo, tem se tornado cada vez mais difícil, especialmente quando confundo sonho com realidade. Compartilho essa ideia fixa apenas para ver se consigo retirar de um cadeado o segredo que ele guarda, já que a chave não existe mais.