Faltam livros onde sobram porretes
Nossa educação social é para termos certezas e nunca dúvidas
Não é fácil para ninguém sair do labirinto mental em que vive. Se por um lado tentamos estruturar as palavras para que nosso discurso fique melhor, pouco fazemos para que os valores que sustentam nossa visão de mundo abram para novas perspectivas, mesmo que a retórica ganhe em estilo.
Nossa educação social é para que tenhamos certezas, nunca dúvidas. O preconceito é a antessala da certeza. A certeza nos dá segurança e nos fortalece em grupos. A dúvida parece causar muito embaraço e dificulta o alinhamento de ideias, uma exigência do mundo atual.
Por isso aquela pessoa que não consegue ter certeza em um grupo homogêneo acaba sendo empurrada para escanteio, expulsa. Porque tudo flui melhor em um ambiente em que todos comungam de uma mesma linha de pensamento. É mais fácil dialogar. A frase nem precisa ser concluída e tudo está devidamente entendido.
Compartilhar pensamento, no entanto, não significa necessariamente refletir. Em um ambiente sem dúvidas não há o desafio de superação de limites, de tentar entender questões que estão em níveis diferentes do nosso. Na política parece fácil exemplificar esta tese.
Um lulista se sente completamente desconfortável ao conversar com um bolsonarista sobre assuntos aos quais são avessos. Defensores de Alexandre de Moraes consideram estranhos os que questionam sua visão de liberdade de expressão.
Um trumpista tem chilique ao enfrentar um democrata. Um gesto de Elon Musk para um woke é como o alho para um vampiro. Não necessariamente nessa ordem. Na economia continua a dificuldade. Um faria limer fica triste só ao ouvir falar em Haddad. Haddad, por sua vez, anda de costas para um faria limer.
Vivemos em uma sociedade sem diálogo, apesar da internet, apesar das múltiplas possibilidades das redes sociais. Os canais abertos para a comunicação estão interditados, pode-se dizer entupidos, pelo desentendimento generalizado, pelo ruído de desaprovação de tudo que nos contraria. Mesmo que sejamos contrariados por algo que não temos a menor compreensão do que seja. O que vale é o estereótipo.
Os clichês, as ideias prontas, os recursos retóricos padrão estão todos preparados para a reação à altura, antes de qualquer reflexão. Se a ideia não bate com a nossa, partimos para cima, com pau e pedra e depois vemos a consequência. O que vale é reagir e marcar ponto.
As perguntas que ficam são: temos nos preparado com seriedade para defendermos nossas ideias? Antes, nossas ideias fazem sentido? Será que elas não chegaram prontas, sem que questionássemos seus fundamentos e as absorvemos em fases ingênuas das nossas vidas? Temos lido alguma coisa para tentar superar essa muralha linguística que ajudamos a ampliar entre tribos pouco ilustradas e arrogantes?
Não há uma resposta simples para isso tudo. Mas o mundo já é uma Babel e há pouco ânimo para escaparmos dessa balbúrdia. Por outro lado, nos sobram forças para enfrentarmos de bate-pronto nossos desafetos artificiais. O que está acontecendo? Será que não faltam livros e sobram porretes em nossas salas de descanso?