Fim melancólico de um governo
Falta de água em toda a cidade escancara falta de planejamento do poder público sobre abastecimento hídrico
DA SÉRIE RETROSPECTIVA 2024
Durante seu governo, Luciano Almeida persistiu no caminho errado em relação ao lodo gerado pelas ETAs Luiz de Queiroz 1 e 2. Ao invés de enfrentar o problema da falta de estação para o devido tratamento do poluente, como exige a lei, preferiu desafiar os órgãos públicos competentes que acompanhavam o assunto. Se deu mal, porque o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Piracicaba, Wander Pereira Rossette jr., concedeu, no dia 18 de dezembro, liminar que obriga o município a tomar providências emergenciais para conter o descarte incorreto do lodo e reestabelecer a normalidade de abastecimento de água à população com segurança, sob risco de punições severas ao prefeito e à autarquia.
Segundo manifestação pública do próprio prefeito, o resíduo em questão sempre foi descartado no Rio Piracicaba, desde a fundação das ETAs, construídas nos anos 1950/1960, sem prejuízo ao meio ambiente. Ele desconsiderou a realidade hídrica do município e os reais impactos do poluente no manancial, que tem levado a morte de peixes, de acordo com estudos elaborados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), prejudicando o meio ambiente e a segurança hídrica da população.
Ação Civil Pública ajuizada pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA), Núcleo PCJ-Piracicaba, do Ministério Público, afirma que desde 2019, as ETAs Luiz de Queiroz 1 e 2 funcionam irregularmente, sem a devida licença ambiental da Cetesb, pois não cumprem as exigências da legislação ambiental e do licenciamento, “em especial, por não haver destinação adequada do lodo e das águas residuárias do tratamento de água”. No entanto, nenhuma medida, ao longo dos últimos anos, foi tomada que indicasse mudança de postura do poder público frente ao problema.
O Semae tem ignorado o fato há muito mais tempo ainda não concluiu o projeto para a construção da estação de lodo nas unidades. Como afirma a ação civil, “flagrante a má-fé e a desídia do Semae no cumprimento de suas obrigações, persistindo nessa prática lesiva, portanto, durante décadas, a despeito das diversas autuações e imposições de penalidades administrativas, lançando poluentes diretamente no Rio Piracicaba, ocasionando poluição no principal manancial da cidade e impactos negativos diversos, ensejando, por conseguinte, o dever de reparação, de forma solidária com o Município de Piracicaba.”
Tanto é que a mortandade de peixes ocorridas no rio em 22 julho deste ano, segundo laudos detalhados da Cetesb e do MP, é consequência do descaso com o lodo e seu reiterado descarte de forma indiscriminada, o que permite estabelecer nexo causal entre o descarte e a mortandade. “Dentre os peixes coletados para análise, os exemplares de Pimelodus maculatus (Mandi) apresentaram lacerações das nadadeiras, indicação de baixa vazão do rio, enquanto o exemplar de Hoplosternun littorale (caborja) apresentou evidências de ação de contaminante tóxico nas brânquias. Em um cenário de descarte de contaminante, a baixa vazão do corpo de água resulta em menor diluição do composto e a ação do mesmo sobre os organismos tende a ser mais agressiva”, afirma o laudo em questão.
A prefeitura
Na ação civil consta um posicionamento da prefeitura, que alegou estar retirando desde o início de agosto deste ano o lodo gerado pela ETA para posterior tratamento, que são colocadas provisoriamente em bags, e que precisaria de um ano para a construção de uma estação de tratamento do lodo, após a apresentação de um projeto executivo, o que levaria até três anos para entrar em operação.
No entanto, em uma das últimas reuniões do ano, envolvendo técnicos da Cetesb, MP e Semae, foi apresentado o pedido, por parte da autarquia, para continuar o lançamento do lodo e das águas residuarias da lavagem dos filtros no Rio Piracicaba, de forma monitorada. Como se não tivesse caído a ficha do atual gestor sobre a gravidade do problema. Nem a Cetesb nem o MP aceitaram o pedido. A prefeitura e o Semae, tudo indica, se apoiavam nas consequências para a população, que já estava sofrendo com a falta de água em muitos bairros devido à queda da produção das ETAs.
Essa postura avessa à realidade evidenciou algo ainda mais grave: que o governo municipal não tem sequer um plano de contingenciamento da autarquia, em caso de crise no abastecimento, que deveria ser apresentado aos órgãos competentes, como a Ares-PCJ, com prazos e justificativas das medidas técnicas que estão sedo tomadas e o prazo para retorno da normalidade, demonstrando absoluta falta de planejamento.
Nos últimos dias do governo Luciano Almeida a cidade toda tem sofrido com falta de água. A alegação do Semae é que a água captada está mais turva e exige cuidados especiais para ser lançada na rede, o que reduz sua produção. Mas o fato é exatamente a falta de planejamento e das medidas cabíveis não tomadas ao longo dos últimos quatro anos. O novo prefeito, que assume, Helinho Zanatta, iniciará sua gestão tendo que enfrentar esse grande desafio, de seguir as leis ambientais e não prejudicar a população. Luciano Almeida, por sua vez, conclui de forma melancólica sua gestão.