Há 70 anos, Ditinha Penezzi tomava posse como 1ª vereadora eleita de Piracicaba
O próximo 1º de janeiro de 2026 representa um marco da participação feminina na política local e reforça legado eternizado na tribuna que leva seu nome
Ditinha Penezzi (à esquerda) no plenário do antigo prédio da Câmara de Piracicaba
Em 1º de janeiro de 2026, a Câmara Municipal de Piracicaba completa 70 anos da posse de Maria Benedita Pereira Penezzi, a Ditinha Penezzi, primeira mulher e pessoa negra eleita pelo voto popular direto a assumir uma cadeira no Legislativo piracicabano – antes dela, Laudelina Cotrim de Castro assumiu uma vaga como suplente. Embora não haja, no início do próximo ano, cerimônias de posse de novos mandatos ou de lideranças para cargos eletivos, o dia se torna um marco simbólico: a série Achados do Arquivo escolhe o último texto de 2025 para destacar a trajetória de Ditinha e reforçar a luta das mulheres por mais representatividade política.
Eleita nas eleições de 1955, pelo então populista Partido Social Progressista (PSP), Ditinha tomou posse em 1º de janeiro 1956, como registra a ata daquela sessão, abrindo um capítulo inédito na história da Câmara — que, àquela altura, já somava 133 anos desde sua instalação e jamais havia empossado uma mulher eleita vereadora. A façanha é tamanha que a Tribuna do Plenário Francisco Antonio Coelho leva o nome “Maria Benedita Pereira Penezzi” em homenagem à parlamentar que quebrou barreiras de gênero, raça e classe social.
Nascida em Piracicaba em 19 de julho de 1917, negra, de origem humilde e casada com o empresário Vicente Penezzi, Ditinha decidiu disputar uma vaga na Câmara num contexto em que a presença feminina na política era rara e cercada de preconceitos. Eleita em 1955, ela não apenas tomou posse em 1956 como também foi sucessivamente reeleita.
Ditinha cumpriu quatro mandatos: 1956-1959, 1960-1963, 1964-1968 e 1969-1972, passando por legendas como PSP e PSD, acumulando 17 anos de atuação parlamentar. Em 1976, deixou de concorrer, abalada pela perda de um filho. Ao longo de sua vida pública, conviveu com o que o jornalista Cecílio Elias Netto descreve como uma atuação “polêmica”, marcada por firmeza e coragem: Ditinha se portava de “maneira valente, ainda que doce”, enfrentando o machismo e a violência política pelo fato de ser mulher, negra e de origem modesta.
Depois dos 50 anos, voltou aos estudos, ingressou no curso de Direito e se formou pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Administrativas de Itapetininga, em 1975. Como advogada, dedicou-se principalmente à defesa de pessoas sem recursos financeiros. Faleceu em 26 de junho de 1985, aos 67 anos, sendo velada na própria Câmara Municipal.
Olhar atento aos mais pobres - As proposituras de Ditinha durante os anos 1950 evidenciam um mandato voltado à área social – como está registrado em uma outra matéria da série Achados do Arquivo, publicada em 2 de setembro de 2022 – com forte preocupação com os mais pobres, guiado por preceitos da sociologia e da psicologia modernas.
No requerimento 287/1956, a vereadora pediu que o prefeito e o delegado estudassem a construção de uma sala anexa à cadeia pública municipal, para abrigar menores de idade que tivessem cometido delitos. À época, os presos eram mantidos no mesmo espaço, independentemente da idade. Ela considerava a prática “social e psicologicamente não recomendável” e defendia um tratamento diferenciado para crianças e adolescentes.
No requerimento 240/1956, propôs o restabelecimento do albergue público noturno, lembrando que “são numerosos os pobres que, ao transitar por esta cidade, nem sempre encontram um abrigo para repouso noturno”. Em sua justificativa, citou o caso de uma família com mais de seis pessoas que se abrigou sob um palanque armado em praça pública.
Outra iniciativa foi a indicação 167/1956, na qual recomendava à prefeitura a confecção de uniformes para os varredores municipais. Ela argumentava que, com salários baixos e o custo de vida elevado, esses trabalhadores não conseguiam “trajar-se convenientemente”, o que justificaria a intervenção do poder público para garantir melhores condições de trabalho.
Ditinha também assinou projetos voltados a ações de solidariedade. Entre eles, o projeto de lei 76/1956, que destinou 10 mil cruzeiros à comemoração de Natal de piracicabanos internados no Asilo Colônia Pirapitingui, leprosário em Itu que, à época, confinava cerca de 4 mil pessoas com hanseníase. Em outro episódio, registrado em ata, o vereador Manoel Rodrigues Lourenço narra que alguns rapazes, após entrarem na piscina de uma fonte luminosa, foram encaminhados à cadeia, mas Ditinha interveio pessoalmente, retirando-os do local, gesto que ele atribui aos seus “grandes dotes de coração”.
Durante sua trajetória, a vereadora também foi autora de projeto que destinou pensão a uma viúva de funcionário público municipal, reforçando o caráter social de sua atuação.
Lugar de fala - Em 2022, o projeto de resolução 3/2022, da vereadora Silvia Morales (PV), do mandato coletivo “A Cidade é Sua”, deu um novo significado ao espaço da Tribuna da Câmara ao denominá-la oficialmente como “Maria Benedita Pereira Penezzi”. A proposta foi aprovada em reunião ordinária e intensificou a presença simbólica de Ditinha no Plenário da Câmara.
Ao usar pela primeira vez a Tribuna já com a placa que traz o nome de Ditinha, Silvia destacar estar “feliz e honrada”, ao enfatizar que as mulheres que ocupam cargo na Câmara carregam o legado da primeira vereadora eleita da cidade. Na sessão que marcou a instalação da placa, uma atriz interpretou a ex-vereadora a partir de suas proposituras resgatadas pelo Setor de Documentação e Arquivo, como uma forma de relembrar o caráter social de seu mandato.
Naquela oportunidade, a vereadora Rai de Almeida (PT) enalteceu o simbolismo da homenagem, observando que, se ainda hoje o machismo se faz presente nas ações políticas, “imagina na metade do século 20”, período em que Ditinha foi eleita e tomou posse. Rai destacou que Ditinha não se intimidava diante da violência e do preconceito e lembrou o incômodo que a presença de mulheres costuma causar em espaços dominados por homens.
Setenta anos após sua posse, o legado de Ditinha permanece. Mais do que um feito histórico, sua presença no Legislativo simboliza a ruptura de barreiras estruturais e a afirmação de que a política também é espaço de cuidado, justiça social e coragem. Ao dar nome à tribuna do Plenário, a Câmara reafirma o compromisso de manter viva a luta por representatividade nos espaços de decisão pública. É um reconhecimento da luta feminista por voz e vez na política.
Achados do Arquivo - A série “Achados do Arquivo” é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.



