Maniqueu está tirando o time de campo?
Porque o preto e branco já não dá conta de explicar o mundo.
Foto: SAUL LOEB / AFP, via jornal “O Globo”.
A vida, ou o simulacro dela nas redes sociais, não anda fácil para os maniqueístas da Era da Informação.
Para quem não sabe, Mani ou Maniqueu foi o antecipador da tal da “polarização” do mundo contemporâneo. Estava tão à frente do seu tempo que nasceu no século III depois de Cristo. Ou seja, 1.700 anos antes do Elão Musque dar os seus piados no x-twitter.
Fazendo um resumão bacana para poupá-los da Wikipedia, Maniqueu pregava que o mundo é governado por dois deuses: o deus do Bem e o deus do Mal. Nossas lutas são o reflexo da luta cósmica, muito maior, que se dá entre o Bem e o Mal. Tudo o que conhecemos ou é bom, ou é mau, porque são originados por um dos dois deuses. Maniqueu teria recebido as revelações a respeito de um anjo, que o mandou fundar uma religião, que chegou a rivalizar com o cristianismo, e depois, com o islamismo.
Mani ou Maniqueu, em um manuscrito persa do século III d.C.
De forma bastante sintética e estilizada, o termo “maniqueísmo” tem sido usado modernamente como sinônimo de uma visão ingênua, que divide tudo entre dois polos opostos e combatentes: Bem x Mal, preto x branco, bonito x feio, ordem x caos, Lula x Bolsonaro. Sem considerar uma “terceira” via, ou quarta, ou quinta. Ou os cinquenta tons de cinza que, sabemos, estão presentes na vida e nas melhores livrarias.
Maniqueu poderia reencarnar, como ele acreditava, e talves se desse bem no mundo das redes sociais, ao lado de Pablo Marçal, Donald Trump, Alexandre de Moraes e Elon Musk. Só que não depois de janeiro de 2025, época em que o mundo, pelo menos o da internet, deu uma “virada de chave”.
Reagir a este “admirável mundo novo”, para quem se identifica com a “Galera do Bem”, também conhecida como “Turma da Sinistra”, “Pessoal da Esquerda”, “Gente que quer o Bem dos Pobres desde que seja longe do meu barzinho”, e a “Gangue do Mal”, também chamada de “Turma do lado da Verdade e de Deus”, “Conservadores”, “Neocons”, “Reacionários” e “Pessoal da Direita” tem apresentado desafios que os dois neurônios da tão propalada “polarização” não dão mais conta.
Anda difícil para a Turma da Sinistra escolher ficar do lado de quem se apresenta para o julgamento público de reputações e causas “justas”. Na época de Biden, o presidente estadunidense tinha que ser legal porque defensor de todas as pautas identitárias, menos... a causa da Palestina. Já começava o bug por aí. Piorava porque não abriu mão da aliança histórica dos EUA com Israel, um dos demônios do mundo atual, que oprimem as minorias islâmicas, foram invasores do território histórico dos palestinos matando milhares de pessoas etc etc etc ! Então se sentiam “obrigados a apoiar” Biden meio que às escondidas, torcendo para Kamala Harris, para impedir o “Laranja” de voltar ao poder. Como se brasileiros apitassem alguma coisa no sistema eleitoral americano...
A Ucrânia é outro assunto complicadíssimo. Zelenski foi humorista e depois presidente da República. Seria como se o Danili Gentili usasse sua fama na comédia para concorrer à presidência da república e ganhasse. É notório que a Sinistra não gosta de humor nem de seus agentes – vejam o caso de Leo Lins, o próprio Gentili, Rafinha Bastos e outros “agentes da comédia”. Então, sinistrinhos brasileiros detestam Zelenski, com esse tempero brasileiro adicional.
Outro problema é que Putin é uma figura tão ambígua, que há esquerdistas que gostam dele. Talvez pela “mão firme” - leia-se “ditadura” - com que governa a Rússia há 25 anos. Sinistrinhos suspiram por Fidel, Che Guevara, Mao Tse-Tung e até Stalin, todos exemplos de “mão firme” e ditadores do proletariado. Se são “ditadores do povo”, então pode.
Se Putin invadiu a Ucrânia para reivindicar seu “Lebensraum” - “espaço vital” em alemão, pesquisem na Wikipedia e verão do que eu estou falando – é uma causa justa, porque Putin é defensor do povo russo, e dos russos que supostamente eram perseguidos na Ucrânia.
Outra coisa que adiciona xampu na sopa dessas pessoas é que a Ucrânia não pode estar no papel de vítima porque tem duas ocorrências que não se encaixam no mundo identitário e igualitarista que defendem: uma, a Ucrânia é país de europeus brancos louros eurocêntricos, e duas, a Ucrânia, até a guerra, era país que estava ganhando dinheiro com abertura para a cultura digital, facilitando abertura de empresas, desenvolvendo o turismo, numa economia globalizada e capitalista. Epa! Ganhar dinheiro e ser capitalista, dois pecados. Não pode!
Quem se importa com as milhares de pessoas que morreram na guerra, defendendo o seu país, numa guerra desigual? Na qual a Ucrânia só não desapareceu porque contou com o apoio diplomático, militar, humanitário e financeiro (você não, Brasil) dos países da Europa e dos EUA de Joe Biden? Faltam dizer, “por que o Zelenski não abriu as fronteiras e não deixou a Rússia invadir a Ucrânia, e tomar conta de tudo? Assim, teria evitado a guerra.” Como a Áustria fez com Hitler em 1938, no Anschluss.
A Turma Direitinha tinha entre eles os que gostavam de Putin, porque supostamente estava restaurando os valores “conservadores”, restringindo os direitos da turma LGBT, perseguindo gays e lésbicas. Estava até tendo apoio da Igreja Ortodoxa, o que para os diretinhos brasileiros era algo louvável, digno dos maiores aplausos. Não vi mais estes esquizóides defendendo Putin por aí, então parece que deram um tempo na retórica.
Outro problema é defender Donald Trump. Por um lado, Trump está restringindo a agenda woke, o que tem gerado uma onda de grandes empresas eliminando os departamentos de ESG, que promoviam políticas igualitárias quanto à preservação ambiental, gênero e outras agendas politicamente corretas. Também está demitindo gays e lésbicas das Forças Armadas, e promovendo a agenda anti-aborto em todo o território dos EUA.
Neocons direitinhos e cristãos de Instagram estão confusos porque Trump sempre foi truculento e só piorou com a idade: no segundo mandato, voltou com “sangue no zóio”, parece que só falta convocar as legiões de anjos vingadores para matar demônios – leia-se, esquerdistas de todo os tipos. Muitos direitinhos têm “caído em si” e percebem que isso não é cristão. Ainda bem que estão confusos, quem sabe se convertam de verdade.
Ver os dois lados se digladiando na internet nem mais é tão divertido, pois parece que cada vez mais há menos e menos pessoas aderindo a este modo “maniqueísmo 2.0” . Está todo mundo muito cansado de promessas, tanto dos políticos, que prometem picanha e não entregam nem ovo, nem dos influenciadores puxa-sacos, que prometem um paraíso na terra para quem apoiar o LulaMolusco, o BolsoMito ou o Laranja, mas só devolvem frustração, inflação e crise econômica.
Uma verdade somente é sempre cristalina: não importa o que aconteça, os políticos sempre se safam. Uma vez aconteceu com Lula e irá acontecer com Bolsonaro. Em tempos passados, justiça foi feita pelo povo, mesmo que tardia: Mussolini morreu enforcado, o ditador romeno Nicolau Ceaucescu morreu fuzilado, Sadam Hussein foi morto num bombardeio.
E portanto, revejo o que afirmei ao longo deste artigo. Parece mesmo que Maniqueu não saiu de modo. Só está aperfeiçoando sua atuação, fazendo um casamento de conveniência com Maquiavel. Aquele mesmo que dizia que ao governante se justifica utilizar qualquer meio necessário para se atingir o fim de se manter no poder.
As figuras públicas atualmente cooptam legiões de discípulos fanáticos, “polarizados” entre o Bem e o Mal, que lançam a “dúvida razoável” de que os malfeitos que perpetram, são, na verdade, ações benéficas incompreendidas... pela facção oposta e combatente. Pol Pot, ditador sanguinário do Camboja, que mandou matar milhões de compatriotas, declarou ao jornalista americano Nate Thayer, que o entrevistou em seus últimos dias: “"Quero que você saiba que tudo o que fiz, fiz pelo meu país"
Por isso, todas as figuras que povoam o nosso noticiário hoje morrerão tranquilamente, com todos os sedativos possíveis que o dinheiro pode comprar, em seus leitos de hospital. Sem punição, sem cadeia, sem penas.