Modernidade Caipira e o Modernismo de 22 em Piracicaba (07)
Fabiano Lozano, Orfeão Piracicabano e Sociedade de Cultura Artística
Prossegue a publicação do livro editado pelo IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba) em 2023, de autoria de Fábio San Juan e Romualdo da Cruz Filho, em partes. Leia as postagens já publicadas, clicando nos links a seguir:
Parte 01; Parte 02; Parte 03; Parte 04; Parte 05; Parte 06.
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Fabiano Lozano, Orfeão Piracicabano e Sociedade de Cultura Artística
Fabiano Lozano (1884-1965), em álbum de fotos da Escola Normal, ao lado de professores que também foram grandes intelectuais e contribuidores da cultura piracicabana e paulista, como Joaquim de Mattos (pintor), Olívia Bianca (pedagoga), Tales Castanho de Andrade (escritor e jornalista), dentre outros. Autoria das fotos: desconhecida, data ignorada. Reproduzida em https://www.aprovincia.com.br
O músico, compositor e intelectual Fabiano Lozano nasceu em 1884, na cidade de Tijola, Andaluzia, na Espanha, e faleceu em São Paulo em 1965. Chegou ao Brasil aos 13 anos e fixou-se em Piracicaba. Aos 19 anos, voltou à Espanha para se aperfeiçoar em piano, harmonia e regência, no Conservatório de Música e Declamação de Madri. Novamente em Piracicaba, torna-se professor primário do Colégio Piracicabano, onde conheceu Dora Pyles, sua futura esposa. Em 1914 assumiu a cadeira de música na Escola Normal. Seu trabalho logo começou a chamar atenção pela peculiaridade. Era adepto do canto em grupo, criou na escola o Orfeão Normalista. Com seu irmão Lázaro, fundou em 1915 também a Orquestra Lozano.
Com 10 anos de atividades ininterruptas, em 1925, o Orfeão Normalista tornou-se Orfeão Piracicabano. “Queria, ele, um grupo mais estável que o Orfeão Normalista, cuja mudança de componentes era frequente, em função do rápido período escolar de seus cantores”, observa a jornalista Beatriz Elias, em “A Província” (Elias, 2012). Foi no mesmo ano de 1925 que Lozano criou, com um grupo de pessoas da elite cultural da cidade, a Sociedade da Cultura Artística, outra iniciativa que vai alavancar o movimento artístico em Piracicaba. O primeiro presidente da entidade foi Antonio dos Santos Veiga. “E a partir de então, concertos se sucederam em Piracicaba, transformando a cidade do interior em ponto convergente de grandes artistas do país, como Magdalena Tagliaferro, Guiomar Novaes, Bidu Sayão, Camargo Guarnieri, Anna Stella Schic, Iara Bernete” e Villa-Lobos (FERREIRA, 2008).
A Sociedade de Cultura Artística de Piracicaba despertou nos interessados em cultura a necessidade de se ter um teatro à altura de suas ambições. É quando o Teatro Santo Estevão cresce em importância e torna-se o grande centro de atenção. Grande parte do mundo artístico e intelectual brasileiro da primeira metade do século XX passou pelo seu palco. Além de receber nomes da música, o teatro acolheu também nomes das letras como Mário de Andrade, o poeta Guilherme de Almeida, Coelho Neto e Martins Fontes. (PAJARES, 1995).
O propósito da Sociedade de Cultura Artística era apresentar os melhores artistas brasileiros e visitantes, numa sequência de, pelo menos, um recital por mês. Tinha realizado, portanto, mais de quinhentos recitais ao completar seu Jubileu de Ouro, em 1975. A entidade tomou-se um patrimônio soberano do “Ateneu Paulista” e um terreno fértil onde se desenrolou a maioria dos acontecimentos (PAJARES, 1995). No entanto, seus primeiros eventos foram concertos do próprio Orfeão Piracicabano, regidos por Fabiano Lozano:
“Todos foram dados pelo Orfeão Piracicabano a quem Mário de Andrade, em 1928, assim se referiu: ‘É o primeiro coro artístico do Brasil. Não é o primeiro em data, mas o primeiro em valor. O Prof. Lozano é animador admirável dessa moçada piracicabana. A ele cabe o mérito indelével dos primeiros prazeres corais que o Brasil pode criar’. Muitos foram os jornais da época que registraram a ovação dedicada ao grupo, quando de sua apresentação no Teatro Municipal de São Paulo, o que pode incrementar ainda mais a luta desenvolvida por seu maestro em favor do canto orfeônico em todo o país”, relata ELIAS (2012), com base em FERREIRA (2008).
“Um dos aspectos importantes do trabalho de Lozano está relacionado ao exercício de músicas que façam parte da cultura popular. Em seu repertório pedagógico estava, por exemplo, "Ciranda, cirandinha’, ‘Dorme, nenê’, ‘Terezinha de Jesus’, ‘Pirolito que bate bate...’ Pode-se dizer, com certeza, que o movimento coral, tão apregoado e difundido depois por Heitor Villa-Lobos, nasceu em Piracicaba no anfiteatro da Escola Normal, local onde eram realizados os ensaios do Orfeão Normalista”. (FERREIRA, 2008)
Este último parágrafo é do depoimento da profa. Maria Dirce de Almeida Camargo, aluna de piano do maestro Fabiano Lozano, a José Maria Ferreira (2008), apontando um elemento importante para fazermos mais uma ponte entre a produção cultural de Piracicaba e os propósitos do movimento modernista, na próxima parte deste trabalho.
Mário de Andrade escreveu várias críticas sobre o Orfeão Piracicabano no jornal “Diário Nacional”, de São Paulo, em 1928, como primeiro mostrou José Maria Ferreira. Em todas enaltecendo o trabalho do maestro Lozano. Na segunda crítica, em que aparece o texto completo de sua conferência em Piracicaba, ele observa um detalhe valioso: “falar da terra em que a minha mãe nasceu (...)”. Se o modernista não estiver sendo metafórico, sua mãe era piracicabana. Este seria um dos fatores que o ligaria diretamente à cidade. Logo na sequência ele desenvolve um dos motivos pelo qual a obra de Lozano o atrai tanto:
“Escutar vosso Orfeão, ver o trabalho de tanto mérito do professor Lozano e dos colaboradores dele me dá essa alegria de cumprir uma promessa encruada, feita há muito. Falar e trabalhar pela música brasileira é uma divina gostosura para mim. Temos que afeiçoar a nossa música ao sabor do nosso povo. Só o povo cria estas obras de arte duma perfeição, duma lógica, duma pureza tamanha com a cantiga deveras popular”. (FERREIRA, 1982)
Mário evidencia mais uma vez que Lozano estava fazendo um trabalho que ele considera fundamental para a cultura brasileira e para a identidade nacional, um dos propósitos do movimento modernista de 1922.
Continua no próximo domingo, dia 05/01/25.
O livro “Modernidade Caipira e o Modernismo de 22 em Piracicaba” é resultado da pesquisa apresentada pelos autores ao Sesc Piracicaba em 2022, que resultou em uma atividade de turismo cultural, “Por Onde Andaram os Modernistas em Piracicaba”, realizado no período de setembro a outubro de 2022.