Novo padrão para estudos que medem gasto energético pode aprimorar tratamento de obesidade
Padronização abre possibilidades para o desenvolvimento de testes pré-clínicos de novas classes de fármacos, com foco em queima de calorias
Câmaras respirométricas do laboratório do professor José Donato Junior, usadas para estudar roedores (foto: Laboratório de Neuroendocrinologia e Metabolismo/USP)
Em meio aos avanços dos tratamentos antiobesidade, um grupo internacional com cerca de 80 pesquisadores de 18 países, incluindo o Brasil, criou uma nova padronização para medir o gasto energético. Em artigo publicado na revista Nature Metabolism, os cientistas apresentam regras e unidades uniformizadas para análises de gasto energético em modelos experimentais (roedores), substituindo a prática de dividir as taxas metabólicas pelo peso corporal.
Inexistente hoje, a normatização visa obter resultados replicáveis, comparáveis e mais consistentes, permitindo, assim, a criação de um banco de dados padronizado e passível de aplicação de técnicas de análise mais avançadas, como inteligência artificial. A padronização abre um leque de possibilidades para o desenvolvimento de testes pré-clínicos de novas classes de fármacos contra a obesidade e outras doenças metabólicas com foco em gasto energético.
“Doenças complexas e multifatoriais, como diabetes, aterosclerose e hipertensão normalmente são tratadas com, no mínimo, dois a três medicamentos. Quando existe essa associação, é possível reduzir as doses de cada um deles individualmente, aumentando a eficácia e a segurança para o paciente”, diz o médico Licio Augusto Velloso, diretor do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) e um dos autores do artigo. “No caso da obesidade, mesmo com a revolução dos últimos anos nos tratamentos, os estudos mostram que os novos medicamentos só reduzem a fome, sem aumentar o gasto energético. A terapia ideal para obesidade é que ocorram as duas coisas: o paciente sinta menos fome e gaste mais energia. O grande problema era padronizar os métodos para medir esse gasto energético”, explica o pesquisador.
Com sede na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o OCRC é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.
Na última década, o tratamento da obesidade avançou com a chegada ao mercado de medicamentos análogos ao hormônio GLP-1, como a semaglutida – princípio ativo do Ozempic – e a tizerpatida – do Mounjaro. Eles atuam no sistema nervoso central e digestivo, promovendo sensação de saciedade e reduzindo a fome.
Porém, ainda há uma janela de oportunidade no desenvolvimento de fármacos que estimulem células do tecido adiposo a gastar energia para produzir calor, em um processo chamado de termogênese, promovendo a perda de peso.
Recentemente, outro artigo publicado também na Nature Metabolism apresentou um medicamento experimental que se mostrou capaz de prevenir o acúmulo de gordura mesmo com uma dieta rica em lipídeos, além de tratar a obesidade e reverter disfunções metabólicas associadas (leia mais em: agencia.fapesp.br/55066).
Segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2025, mais de 1 bilhão de pessoas vivem com a doença no mundo, que está ligada a cerca de 1,6 milhão de mortes prematuras anuais. No Brasil, estima-se que 31% da população seja obesa, sendo que entre 40% e 50% dos adultos não praticam atividade física na frequência e intensidade recomendadas.
Padronização
No artigo, os pesquisadores apresentam um conjunto de unidades uniformizadas para experimentos de calorimetria indireta, um exame que mede a quantidade de calorias que o organismo gasta.
São elas: consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono medidos em mililitro (ml) por hora; gasto energético em quilocaloria (kcal)/h; ingestão energética em kcal/h; ingestão de água em ml/h; medidores de atividade física em metros e razão de troca respiratória.
A maior parte dos estudos que avaliam gasto energético é realizada em laboratório com roedores, colocando o animal dentro de uma câmara respirométrica. Esse equipamento é completamente selado – mede constantemente o oxigênio e o gás carbônico, além de ter sensores que monitoram a temperatura do corpo do roedor e quanto ele se movimenta. Uma câmara para um camundongo custa, em média, cerca de US$ 30 mil. Normalmente os laboratórios possuem de 10 a 12 unidades.
“Essa iniciativa, há muito esperada, pode melhorar significativamente a precisão e profundidade na investigação do metabolismo de mamíferos, viabilizando a descoberta de efeitos sutis, porém fisiologicamente relevantes, e padrões populacionais que estudos individuais frequentemente não conseguem detectar”, escreve o grupo, liderado por Alex Banks, que é presidente do Comitê Internacional de Consenso de Calorimetria Indireta e diretor do Centro de Balanço Energético do Beth Israel Deaconess Medical Center (BIDMC) da Harvard Medical School.
Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e um dos brasileiros autores do artigo, José Donato Junior destaca que a falta de padronização cria um problema na literatura científica, chegando a casos de estudos com conclusões distintas por causa da forma de análise dos dados.
“Cada pesquisador, e muito em decorrência da maneira como o equipamento fornece a informação, acabava apresentando o dado de uma forma diferente. Então, a ideia dessa publicação foi juntar um consórcio internacional, com credibilidade científica, para propor novos padrões”, explica Donato Junior, que também faz parte do OCRC e coordena o Laboratório de Neuroendocrinologia e Metabolismo da USP, um dos poucos no Brasil que dispõem de câmara respirométrica.
Um dos casos citados pelos pesquisadores para exemplificar problemas com a falta de padronização é o dos genes humanos ALK7/Acvr1c e Activin E/Inhbe, associados a alterações na composição corporal. Variações genéticas humanas nos genes Acvr1c e Inhbe estão relacionadas a diferenças na razão cintura-quadril e ao desenvolvimento de diabetes tipo 2. Em camundongos, a remoção de qualquer um dos genes Acvr1c, Inhbe e Gdf3 altera o peso corporal do animal. No entanto, a causa dessa obesidade, e se ela é compartilhada entre os modelos, permanece incerta por causa dos diferentes métodos de análise.
Com a publicação do artigo, os pesquisadores estão buscando as principais revistas científicas que trabalham com metabolismo para que adotem essas regras como padrão no momento de avaliar os artigos para publicação. Também pretendem disseminar as normas em congressos e eventos da área.
O artigo A consensus guide to preclinical indirect calorimetry experiments pode ser lido em: www.nature.com/articles/s42255-025-01360-4.
Luciana Constantino | Agência FAPESP