Panaceia ou mistificação?
De ervas medicinais, óleo de cobra ou ivermectina, use e cure a ti mesmo.
A mente humana é um negócio “mucho loco”. Você sabia que, para a nossa mente, acreditar em fake news está na mesma caixinha de acreditar em um jornalista sério?
“Então, você está dizendo que acreditar na pomadinha do baiano que chama a cobra com uma flautinha na praça é a mesma coisa que acreditar nas notícias do William Bonner?”
Para a nossa mente, sim.
Epa epa epa, devagar com o andor, porque a verdade da informação, hoje mais do que nunca, é de barro. Como eu afirmo uma coisa dessas?
Vamos ver: como você tem certeza absoluta sobre a verdade de informações como:
A eficácia da ivermectina para curar Covid-19;
O governo norte-americano aprisiona extraterrestres na Área 51, no estado de Nevada, desde a década de 1950;
A informação de que o presidente ucraniano Volodmir Zelenski aceitou a proposta de cessar-fogo com a Rússia, feita pelos EUA , noticiada por veículos de imprensa de credibilidade, como a TV Globo e a CNN, jornais como “Gazeta do Povo” e “O Estado de São Paulo”, os sites de notícias O Antagonista, G1, Carta Capital e Poder 360?
Pensa aí um pouco.
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Pensou? Então, pode ser que você tenha chegado a conclusões parecidas com as que vou mostrar abaixo. Para ter certeza absoluta sobre um fato ou informação, é preciso:
1. Verificar pessoalmente o que aconteceu, no local em que aconteceu o fato, ou no caso de uma informação, consultar especialistas com notório saber sobre o assunto; em quase 100% dos casos esta ação é impossível. Em nossa sociedade, quem desempenha esta tarefa de verificar os fatos in loco são os jornalistas;
2. Como no exemplo das medicações, checar as informações em livros de medicina, publicações especializadas ou sites de medicina com credibilidade comprovada;
3. Confrontar a notícia em outros veículos de credibilidade comprovada.
As três ações são chamadas de checar os dados.
Mas hoje, ninguém checa notícias ou informações. Damos a desculpa de que não temos tempo para checá-las. Vida corrida, não é mesmo?
Mas, para surpresa de quase ninguém, isso também acontecia antigamente. Quase ninguém checava notícias na Era do Rádio, da Era de Ouro dos Jornais ou nos anos dourados da Televisão. Porque a credibilidade dos veículos era alta, ou seja, todos estavam dispostos a acreditar em quem veiculava as notícias, por um punhado de motivos.
Quem era mais instruído conseguia diferenciar uma notícia dada na “Folha de São Paulo” e artigos na revista “Planeta”, cujas manchetes incluíam contatos imediatos do terceiro grau em Muzambinho do Norte. No entanto, “Planeta” vendia porque havia pessoas que, como hoje, acreditavam de “pés juntos” que sequestros de pessoas comuns por ETs aconteciam de verdade, que o governo escondia os OVNIs / UFOs e os aliens já tinham feito contato, e que havia uma conspiração internacional para esconder tudo.
Acredite em que quiser, fique à vontade, só não me chame.
Assim como os crentes em OVNIs que colocavam toda sua confiança na revista “Planeta”, hoje a polarização ideológica condiciona bolsonaristas a só acreditarem na rádio Jovem Pan, revista Oeste e Brasil Paralelo, e lulistas somente em veículos como Carta Capital, Intercept Brasil e Brasil de Fato.
Cada um escolheu em que veículos acreditar, depositando antecipadamente sua confiança neles, e não porque necessariamente eles transmitirão uma versão verdadeira dos fatos.
Então, tanto no passado quanto hoje, a verdade está na decisão pessoal do leitor / espectador de confiar no veículo de imprensa - ou no vídeo alarmista recebido pelo Whatsapp, porque ele confia mais no amigo ou familiar do que na mídia.
Na prática, hoje, uma notícia é tanto mais verdadeira quanto maior for a nossa confiança em quem a está transmitindo.
Seria somente a polarização - escolher quais veículos acreditar, por identificação ideológica - ou há uma crise de credibilidade?
A cada dia que passa, cresce aquela parcela do público que não confia em jornalistas ou especialistas. Uma desconfiança moderna - ou resquício de um pensamento antigo? - em “doutores”, “engravatados”, pessoas supostamente que “não têm o pé no chão” e “não conhecem o chão de fábrica”.
Esse público dá mais crédito à sua vizinha ou ao colega do trabalho, porque conta de uma desilusão com a ciência e os especialistas. Além do que, falar com alguém que usa a mesma linguagem que você, tem as mesmas crenças, é sempre mais confortador.
A desconfiança quanto aos médicos, que curam várias doenças mas não curam outras, que no entender das pessoas são arrogantes porque sabem um monte de coisas que elas não sabem, leva aos curandeiros, bruxos e bruxas, benzedeiras e “operações espirituais” que em mais de uma ocasião se provaram farsas. Chazinhos, ginko bilobas, ora pro nobis e confreis da vida, além das pomadinha e gel milagrosos, do tipo “Cura Tudo”: dor nas costas, impotência sexual, Covid-19, câncer. Fora ivermectinas e cloroquinas.
(É divertido assistir à minissérie “Vinagre de Maçã”, da Netflix, que aborda a história real de Belle Gibson, australiana que vendia a cura milagrosa do câncer somente por meio de dieta alimentar. Para vermos que não é só no Brasil que existe desinformação, resistência ao conhecimento médico, e disposição para acreditar em curas milagrosas).
Essa medicina popular “evoluiu” para vídeos, memes, perfis no Instagram e sites inteiros que “informam” sobre curas “energéticas” ou “quânticas”, remédios alternativos, tratamentos incomuns e não aprovados por nenhuma pesquisa científica, que não citam fontes nem referências médicas. A maioria é de conteúdos sem autoria nem data, mas muito chamativos, acabam por viralizar e acabam virando “notícias”, do tipo “A indústria farmacêutica não quer que você saiba disso”.
Vestir a “informação” com o véu da conspiração deixa tudo ainda mais atraente. São iguais às fofocas da Matilde, só que em formato digital.
Mas com um objetivo muito claro: dar a você uma falsa esperança, e tirar o seu dinheiro.
De onde vem essa desconfiança nos veículos tradicionais de imprensa, e também nos especialistas - médicos, cientistas, engenheiros?
Penso que é por conta de algo feio, difícil de admitir: nós, adultos, somos orgulhosos, recusamos a ideia que haja pessoas, adultos como nós, que tenham algo a nos ensinar.
Não somos humildes, não gostamos de admitir que não sabemos algo. E a modernidade cada vez mais incentiva essa soberba, para vender mais.
E mais, a maior parte das pessoas quer soluções mais simples para tudo. É mais fácil para você acreditar que a Inteligência Artificial vai dominar o mundo e daí não usá-la. Sendo que você aprendesse a utilizá-la, poderia facilitar sua vida em muitas tarefas.
Somos preguiçosos e medrosos. Por isso, acreditamos em notícias, opiniões e atitudes que confirmam o que já acreditamos, e reforçam o que já sabemos. É muito, muito difícil, darmos crédito a fatos, informações ou opiniões que contrariam nossas convicções. Dá muito trabalho, é preciso estudar, ler, e conversar com pessoas com conhecimento sólido, para mudarmos de opinião.
E acabamos cerrando fileiras com quem nos oferece o mais fácil, o mais simples, e muitas vezes, o mais tosco.
É o tal de “viés de confirmação”.
Só para deixar registrado: muita gente traveste tanto o medo quanto a preguiça de aprender, checar e constatar informações diferentes, novas, com o argumento de que estão “usando o senso crítico”. Uma velha desculpa para a acomodação.
Mas eu comecei este artigo afirmando que acreditar em “fake news” e em especialistas era a mesma coisa. Pode parecer que não, mas o tom negativo que ambos utilizam é o elemento comum entre eles.
Comunicadores sérios, respeitáveis, geralmente, usam um tom negativo. Pode até ser misturado com humor, o que resulta em ironia ou sarcasmo. Mas o tom negativo prevalece.
Cassandras são mais levadas a sério que bobos da corte. Associamos seriedade, credibilidade, com negativismo.
Usar um tom otimista para prestar informações ou noticiar é pedir para ser tratado como ingênuo, bobo alegre, ou como alguém agindo de má-fé. “Este aí deve estar querendo me vender alguma coisa”.
Por que pensamos assim?
Quem já viveu um pouquinho e não acredita em duendes para resolver seus problemas, já constatou que a vida não é fácil.
“A vida não é bolinho”, diz minha mãe. Um bolinho é algo gostoso. Ganhar o pão do dia a dia, cuidar da família, ter uma carreira ou um emprego, pagar os boletos, não é tão saboroso quanto um bolinho. É difícil. Até quem está com a vida feita tem dificuldades e frustrações, desde o cineasta que quer ganhar três Oscars e ganha um, até o bilionário que tenta mandar foguetes para Marte e não consegue financiamento da Nasa.
A vida não é bolinho.
A vida não é bolinho. Pode tirar o cavalinho e os bolinhos da chuva.
Cada um de nós recebe más notícias em maior quantidade do que as boas. Especialmente se você acompanhar o noticiário - seja de qual veículo for. Mas nem precisa: para saber que a política econômica do governo Lula está um desastre, basta ir ao supermercado e ser obrigado a parcelar uma dúzia de ovos em 12 vezes no cartão. Um ovo por mês.
Mas é próprio do ser humano esperar notícias ruins, porque 99% delas são assim. A geada, a inundação ou a onda de calor, o furacão, a crise econômica, as guerras, o desemprego. Na Bíblia, diz o Livro de Jó, há milênios: “A vida do homem é uma luta sobre a Terra”.
Como estamos sempre preparados para o pior, damos mais atenção às notícias ruins verdadeiras, mas também às sensacionalistas que “contam um conto mas aumentam um ponto” e até às “fake news”, que usam o tom “frases-gatilho” como:
Esta notícia é fake news.
“BOICOTE o filme de propaganda comunista que usou dinheiro dos SEUS IMPOSTOS!”
“A NASA QUER ESCONDER DE VOCÊ que a Terra é Plana”
“Isso a GLOBO NÃO MOSTRA”
Entre notícias verdadeiras ruins e notícias falsas ruins, aceitamos, pela nossa experiência, a maior parte delas sem diferenciá-las... se não tivermos filtros que nos ajudem a ver a diferença. Ou se ao menos estivermos dispostos à “dúvida razoável” que nos faça desconfiar de notícias negativas demais.
Mas sempre foi assim: é mais fácil acreditar no fim do mundo do que na sua salvação. Porque cada época da humanidade tem sua própria versão do fim de mundo, ou pelo menos, do fim de um modo de vida que era prevalente, e que vai desaparecendo aos poucos.
Mas há meios de percebermos o que é fake news, mentira, boato, invenção e pior, notícias feitas com intenção clara de difamar pessoas e destruir reputações. Num próximo artigo, irei abordar o assunto, mostrando dicas de como perceber fake news, se estão querendo te enganar, por má fé ou simples desejo de causar emoção nos outros, mesmo que seja com mentiras.