O mecanismo
Se uma ação pró-corrupto sai do eixo por algum descuido e vazam evidências de irregularidades no mecanismo, é só manter a calma e aplicar de forma sutil as determinações de segurança
Uma corrupção lava a outra e a corte é a garantia do capo, porque ele a compõe com seus representantes fidelíssimos.
De forma articulada, como deve ser, o sistema funciona impecavelmente, como um relógio, até porque é blindado pelos homens que imprimem a regra da engrenagem que eles mesmos comandam.
Se uma ação pró-corrupto sai do eixo por algum descuido e vazam evidências de irregularidades no mecanismo, é só manter a calma e aplicar de forma sutil as determinações de segurança, mesmo que para isso seja necessário alterar uma lei ou outra.
Todo o grupo permanece, assim, sempre seguro e silencioso, sob o manto de uma espécie de omertà. E a corrupção perdura e se autoalimenta ad infinitum.
Isso deixa claro que não há motivo para temer qualquer consequência adversa aos protegidos. Basta o capo chamar para si a responsabilidade suprema e o sinal está dado.
Os demais integrantes da rede se alinham automaticamente. E a rede se projeta por todos os poderes nacionais. O semblante rijo e o olhar penetrante delimitam até onde se pode ir aos que expõem qualquer divergência sobre o que está em jogo.
Na democracia do país em questão, a docilidade do povo facilita muito a perpetuação do controle do esquema, porque o impacto da notícia canhestra, de que houve qualquer ruptura das sólidas regras de conduta dos seus representantes, se dissolve em tempo breve.
De nada adianta a imprensa gritar que os homens de preto estão agindo em causa própria, pois eles ameaçam e podem agir assim, amedrontando e punindo quem os desafia com decisões que eles inventam para este fim particular, para desconfigurar qualquer vigilância alheia sobre eles.
Seus familiares, por outro lado, atuam na rede paralela, para ampliar o domínio e as decisões favoráveis aos protegidos do sistema. Para isso, são construídas ilhas de excelência, onde se dão encaminhamentos de demandas. São núcleos parentais travestidos de escritórios de advocacia.
Se ninguém mais faz barulho, tudo se resolve de forma prática e tranquila a favor dos interesses superiores. Tem sido assim há décadas. Porque não se descobriu ainda uma maneira de superar o poder de quem decide.
A corte está isolada em um mundo paralelo onde os benefícios são compartilhados pelo seu núcleo de comando, sem interferência externa. E o dinheiro é farto.
Quem paga a conta é o mesmo cidadão que reverencia o poder do capo para se perpetuar em sua função à mercê de corruptos. Uma reverência doentia, de impotência absoluta, quando não de absoluta falta de percepção e entendimento dos fatos, plasma a sociedade.




