O primeiro Coach a gente não esquece. Ou melhor, esquece rapidinho.
Ou: não se fazem mais anjos da guarda como antigamente.
Muito bem... você está aqui. Não sei te dou parabéns ou meus pêsames. Vai depender da cobertura do plano pré-natal da sua mãe…
Brincadeira, brincadeira… vamos descontrair, pra começar bem.
Bom. Você se lembra? Caiu aqui e nem sabia de nada. Estava no escuro, sei lá se dormindo ou esperando. Na verdade, você nem sabia que existia. E então, do nada, acordou.
Eu chamo isso de cair. É uma queda, porque qualquer lugar onde a gente estivesse antes, com certeza estava melhor.
Alguns acordam numa boa, tipo, num berço quentinho, ou na frente da TV comendo pipoca ou pasta dente. Claro que a imensa maioria acorda no meio de uma treta braba. Você mal acorda e percebe que está com fome, com sede, ou não tem um braço, uma perna, embaixo da ponte ou numa cama de hospital. Mas também pode estar numa boa.
A certeza absoluta que eu tenho é que não tem como escolher. Você caiu. Acordou e pronto.
Gostaria de ter tido um anjo, ou um guia, ou um tutor, como estou sendo para você. É, isso é um sonho. Mal despertou e está sonhando. Que maravilha.
Você é uma pessoa. Não me pergunte muito o que significa isso. Daqui a pouco, você vai sair da sua mente – esse lugar aqui onde estamos conversando – e vai perceber coisas fora de você. A primeira coisa sou eu. Calma. Eu sou amigo, só quero o seu bem.
Como confiar em mim? Ah! Você tem escolha, moleque?
Calma, calma. Tenha calma. Calma, caramba. Calma! Isso. Isso, isso. Não vai acordar ainda. Já te disse, quem me dera tivesse tido um guia como eu, no começo. Confia, vai ser muito melhor. Tenho umas dicas fortes.
A segunda coisa que você vai perceber, provavelmente, será a sua mãe, ou seu pai, outras pessoas como você, que moram na sua casa, ou onde você estiver.
E depois, o que está em volta: vai sentir frio, calor, vai sentir uma luz nos seus olhos, ou pouca luz, sombra, escuro.
Em seguida, o seu corpo: uma roupa te roçando alguma coisa. Vai perceber que é a perna, o braço, a mão, a cabeça. Tudo seu. Depois, vai sentir leite, comida de bebê, mingau, o que quer que deem para bebês comerem hoje em dia, como um sabor bom na boca. Ou pode ser um Big Mac ou uma esfiha do Habib’s, mas aí é sorte demais.
E então vai sentir algo que é um aviso, um alerta, e vai sentir dor. Vai sentir coisas ruins e boas. Pode até sentir amor.
Tomara que não seja uma fralda suja, mas não garanto.
Bom, vamos resumir. Uma pessoa, te dirão, é capaz de sentir dor e prazer, ter emoções, amar ou odiar, raciocionar e pensar.
Nem sempre você vai ter que usar tudo de uma vez. Normalmente, é uma, ou duas. Relaxa.
Você pode ser grandes coisas, ou melhor, uma grande pessoa. Como eu sei o que é uma grande pessoa? Ora, todo mundo sabe... Exemplos? Ahn... sei lá, um bilionário? O papa? O dalai lama? Descobrir a cura de uma doença grave? Escrever músicas bonitas, tipo, tipo... o Fagner? Não, agh, péssimo exemplo. Tanta gente para lembrar...
Para que ser uma grande pessoa? Bom... eu pensei o seguinte: ninguém pediu para cair aqui. Mas, já que caiu, aproveita, né? Faça o melhor, vai que não tem volta... que não possamos voltar para aquele escuro quentinho da não-existência...
Não! Nada garante que vamos voltar pra lá. Nada, nem ninguém.
O que tem a ver com uma coisa que eu constatei. Fazer o melhor e ser uma grande pessoa parecem ser a mesma coisa. O que vi é que ninguém é uma grande pessoa fazendo somente coisas para si mesmo. Para isto, zero exemplos. Não há absolutamente ninguém que fique o dia todo coçando o dedão do pé, o saco ou outras partes, na beira do caminho, maratonando a Netflix ou vendo videos do TikTok, e que resulte em alguma coisa que preste.
Por isso, não acredite naquelas chamadas do YouTube que prometem uma grana se você ficar maratonando séries. Ou naquelas postagens que te oferecem um joguinho com um tigre bonitinho japonês sorrindo pra você. É fria, viu? De nada.
O segredinho parece ser prestar atenção no que os outros precisam, querem, desejam. E aí atender os pedidos. Em troca, vão te dar aquilo que você quer.
(Claro que nem sempre funciona. Mas quase sempre. Melhor que nada.)
É, eu sei que nesse momento você não quer nada. Tá bom assim né? Aproveite, temos só mais um minuto. Depois, é o pega pra capar. Tá bom, você vai descobrir o que é isso rapidinho.
Quem vai te dizer se deu certo, se no fim das contas é ou não uma grande pessoa? Ninguém, uai. Se em algum momento, você não tiver certeza, é porque não está dando resultado, alguma coisa você não está fazendo direito.
Para quê tudo isso, você vai me perguntar. Bom, tem algumas pessoas que dizem ter descoberto o porquê, mas outras não acreditam nelas. Porque as versões são diferentes entre si. Algumas se parecem, outras são muito, muito estranhas e completamente opostas. É uma confusão dos diabos. É, aliás, ele está no meio desse rolo também.
Por que eu saí do Nada e agora estou aqui, recebendo instruções para fazer coisas que eu não pedi, não quero fazer e não fui preparado... se eu não me alistei pra nada?
Caramba, nenê, mal acordou e já é um filósofo, né? Fique na boa, porque só estraga se você quiser. Tudo depende de você.
Não, pera aí, não é verdade. Muita coisa não depende de você. Aliás, a maior parte. Aliás, é a maior sacanagem: dizem que, se você faz as coisas direito e dão certo, o mérito é de Deus. Mas se dão errado, a culpa é toda sua.
Taí um bom conselho: diga, no seu currículo, que você faz o seu próprio destino, mas que está preparado para as contingências. Ajunte a isso aí também que é proativo, resiliente, e o seu pior defeito é ser perfeccionista. Fecha com um curso de ESG e...
Peraí, pera aí, tem coisa ainda... ah, não. Acordou.
Aposto que ele não vai anotar nada disso, e ainda vai reclamar que não está passando Peppa Pig na TV. Bando de mimados da Geração Z.
Depois vão querer um emprego que cubra terapia, no plano de saúde.