O silêncio da Arte
Motivos pelos quais a Bienal de SP é uma porcaria, e outras aberrações
A Grande Arte tem falado muito pouco ultimamente. Tão pouco, que podemos chamar esse tanto de silêncio.
Para que me compreendam, ou se lembrem, “Grande Arte” é aquela que entra na linha cronológica cultural como digna de ser preservada para as gerações futuras.
O texto vibra nesta corda: “Ei, não tenho visto quase nada que possa chamar de Grande Arte, ultimamente” e pior, “os artistas não estão preocupados com isso, mas sim, com outras coisas totalmente diferentes”, e por último, “A Bienal de Arte de São Paulo está uma grande porcaria, e isso não é de hoje”.
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Ao observar as grandes obras-primas de todos os tempos, percebe-se o seguinte: a Grande Arte sempre é aquela que nos torna mais humanos.
Pedir que os artistas apelem para a nossa humanidade, expandindo-a, não é pedir demais. É esperar que a Arte faça aquilo que fez sempre.
Apelar para o nosso senso político-partidário, em vez da nossa humanidade, é o vício horrendo, burro e odioso de nossa época. Destruir a própria Arte, negando-a como meio válido de transmitir tudo o que nos faz humanos: percepções, emoções, ideias, pensamentos, memórias, sonhos e fantasias, é negar a própria humanidade.
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Um exemplo raro, recente e bem-vindo da Grande Arte, que representa a Arte de Sempre e já faz parte de sua linha, é o filme “Dias Perfeitos”, de Wim Wenders.
Seguindo na contramão das percepções de Wenders, a “Grande Arte” do nosso tempo é reivindicada por artistas e o sistema da Arte dita Contemporânea. Verdade seja dita, ela não tem permissão para receber o rótulo caso se pareça minimamente com “Dias Perfeitos”.
Que é Arte frutificando em beleza, inteligência e sutileza. Que aos olhos dos “bem-pensantes” de hoje, supostas autoridades sobre o saber humano na área cultural, é sinal de ingenuidade e até de má-fé.
“Arte de qualidade” seria aquela que mostra o ser humano, o mundo e a vida como horrorosos, com um arrogante, insano, até autoritário, realismo exagerado, que se transforma em um pessimismo desesperançado, um nihilismo num beco sem-saída existencial.
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“Arte Contemporânea” é um rótulo surgido na década de 1970. Nasceu como um “conceito guarda-chuva”, que abrigou as obras que afirmavam desconstruir a Arte convencional, imitando as já paródicas obras de Marcel Duchamp. Sua essência é declarar-se contestadora, e de fato, ela é: seu primeiro alvo é a Arte de Sempre, que busca negar e, em última instância, exterminar.
Por isso é ridículo os artistas contemporâneos e seus defensores identificarem, contraditoriamente, sua linguagem de ruptura radical com a continuidade com a Arte de Sempre.
Há somente dois recursos admissíveis para o artista que assume o rótulo:
• Refazer, copiar ou recauchutar as ferramentas criadas por Duchamp, com ênfase na ausência de qualquer narrativa, salvo a da destruição da Arte.
• Ou voltar à arte como narrativa, mas com o objetivo declarado de ser militante político-partidário, reinterpretando toda a Vida, o Mundo e a Arte por este viés.
A raríssima produção artística de hoje que vale a pena ser contemplada não se utiliza desses dois recursos. Por isso mesmo, a bem da clareza, nem deveria ser chamada de Arte Contemporânea.
Exemplos? Algumas obras de Ai Weiwei; o hiper-realismo de Ron Mueck; os imensos tricôs de Toshiko Horiuchi MacAdam, que lembram parques infantis; e os objetos delicados de Peter Gentenaar.
Um dos “parques têxteis infantis” de Toshiko Horiuchi MacAdam.
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Que a Arte Contemporânea não é popular é um fato. A maior parte das pessoas prefere a cultura de massas (que é diferente da arte e cultura popular). Ela sempre foi elitista, sempre foi feita para poucos, e nunca fez questão de chegar às massas.
Nem com apoio massivo da mídia brasileira, ela se tornará amada, nem mesmo respeitada. Apoio que ela tenta prestar, em todos os anos em que se realiza a Bienal.
Passo a tratar, pois, da Bienal para ir encerrando o texto, já que a vida é curta e a paciência, finita.
A Bienal tem andado anêmica, com a “energia” tão baixa, que, se tratando dela, nada entusiasma, nada chama a atenção.
Ao menos nas três edições que visitei, percebi uma desproporção entre o tamanho dos pavilhões e o público presente. Nem o ingresso gratuito motiva as pessoas a saírem de casa. A Bienal um deserto estéril, contrastando com o “clima de praia” do lado de fora, vivo, verde, cheio de pessoas, do Parque do Ibirapuera.
Quem se propõe a visitar a Bienal deve se preparar para passar o dia entre os fantasmas de uma arte morta.
São enormes pavilhões cheios de nada, com obras que, artisticamente, não dizem nada.
Nada do que vi me causou empatia pelas causas que estavam sendo defendidas - como iremos falar adiante, a Bienal existe hoje para defender causas -, nada do que vi me atraiu para me compadecer dos muitos dramas humanos que ali eram citados levando-se em conta a linguagem artística como ponto de partida. Nada foi capaz de ampliar o humano em mim.
Tipo isso.
Saí de todas estas Bienais diminuído, com um gosto amargo na boca, triste, calado, não pelo silêncio das grandes obras que calam fundo, que refazem minha consciência, mas por vários outros tipos de silêncio.
Curiosamente, enquanto fazia a visita, notei que havia um silêncio pairando sobre os espectadores. Seria reverência a uma arte que, em sua autoridade autoproclamada, intimida os espectadores? Tendo a acreditar que sim. Este é o primeiro tipo de silêncio que identifiquei; sei porque perguntei a algumas pessoas que me acompanhavam e elas me confirmaram.
Mas, a mim, particularmente, o que me calou foi quando percebi o grande, enorme, devastador “cale a boca”. Dirigido a mim, especialmente, por atos e objetos pretensamente artísticos. Assemelham-se mais a atos de vingança, petrificados em um imenso sermão moralista, condenando os personagens do mundo que os artistas e curadores apontam como opressores, fontes de toda a injustiça e miséria do mundo.
Por isso, sendo branco, heterossexual, de classe média e cristão, não poderia mesmo me sentir bem num lugar em que a tônica é me negar o direito de existir.
Ali presenciei silêncio e escuridão, que se compraz em ser escuridão. Que se conforta com a ausência de luz. Porque a luz a incomoda; luz que, quando presente, recorda a pequenez humana, mas também sua grandeza: é justamente ela que nos faz ultrapassar nossa condição miserável, ao menos na Grande Arte.
A melhor parte da visita à Bienal é quando saímos dos pavilhões da mostra e passeamos pelo Parque do Ibirapuera.
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