Pinacoteca exibe documentário A Negra Moderna, sobre Carmela Pereira
Sessão gratuita acontece às 19 horas deste sábado (16)
A artista piracicabana Carmela Pereira, tema de uma das exposições de inauguração da Pinacoteca Municipal Miguel Dutra, no Engenho Central, em maio deste ano, tem novamente sua trajetória e história de vida em foco, agora, no documentário A Negra Moderna, do diretor Cleber Zerbielli.
A estreia da obra será neste sábado (16), às 19 horas, também na Pinacoteca (Armazém 14A do Engenho Central), com entrada é gratuita.
A Negra Moderna mostra a relação intimista da artista Carmela Pereira com sua obra, em seu ambiente de trabalho. O documentário é realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo, com apoio da Secretaria Municipal da Ação Cultural (Semac) e do Museu da Imagem e do Som de Piracicaba (Misp). Após a exibição acontecerá um bate-papo com a equipe da produção.
O documentário destaca a história da empregada doméstica Carmela Pereira, que ao se aposentar regressa a sua terra natal, Piracicaba, e desabrocha seu talento artístico produzindo milhares de obras.
“É uma imersão em seu ateliê-residência para conhecer o seu dia a dia e seus pensamentos”, afirma o diretor Zerbielli. O filme retrata ainda o restauro de sua obra A Negra Moderna e aborda a relação de Carmela com o trabalho de Tarsila do Amaral.
SERVIÇO – Exibição do documentário A Negra Moderna. Sábado, 16/11, às 19h, na Nova Pinacoteca Municipal Miguel Dutra, no Armazém 14A do Engenho Central. Entrada gratuita. Acesso pela passarela Pênsil. Informações: 3412-3770 e 3412-3773.
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A antropofagia de Carmela Pereira pelo olhar de Cleber Zerbielli
O filme de Cleber Zerbielli, “A Negra Moderna”, sobre a artista caipiracicabana Carmela Pereira, parece ser o registro de um cotidiano. Começa com imagens da vida doméstica da personagem em seu ateliê/casa, ela falando sobre seu ofício e acontecimentos do mundo, no reino da maior simplicidade. Tudo caminha para um realismo plástico, intrigante pela peculiaridade temática. Até que é dado um salto no enredo e se percebe a verdadeira intenção do diretor. Vamos ao processo.
Logo no início da gravação, o próprio diretor pergunta a Carmela se ela conhece a obra “A Negra”, de Tarsila do Amaral. Em sua humildade, Carmela confunde o nome, mas não consegue alcançar o assunto. Com um pouco de dificuldade lembra-se do “Abapuru”, quadro da mesma artista. Parece uma pergunta deslocada, mas que vai fazer sentido em um segundo momento, em que Cleber Zerbielli aparece em cena de fato fazendo alguns paralelos entre a formação de Tarsila e de Carmela.
Apesar da distância temporal entre as duas artistas, Cleber observa que Tarsila viveu a infância em fazenda, assim como Carmela. Tarsila recebeu uma forte formação religiosa, assim como Carmela. A artista, nascida em Capivari no ano de 1886, fortemente influenciada pela Semana da Arte Moderna de 1922, iniciou o Movimento Antropofágico com Oswald de Andrade e Raul Bopp. E aqui aparece o fundamento do filme, pois Carmela Pereira, segundo Cleber, é um produto autêntico da antropofagia brasileira.
Ainda na sequência das analogias do autor do filme, mostra que Tarsila do Amaral nasceu em berço rico e se formou nas melhores escolas brasileiras e europeias. Enquanto Carmela, após sua infância sofrida em orfanato, onde aprendeu a ler e escrever, foi trabalhar em lares de famílias ricas paulistanas e, na capital, teve contato com uma cultura burguesa, onde assimilou à sua maneira um mundo de cultura e arte. Após a aposentadoria, seu talento artístico desabrochou e ela começou a produzir loucamente. Suas pinturas, classificadas como arte naïf, ganhou força e seu talento foi identificado pelo artista e intelectual José Maria Ferreira, que trabalhava no SESC-Piracicaba.
Cleber revela plenamente o propósito de seu registro, que é mostrar o olhar de uma modernista, que teve uma formação elitizada, para a realidade do país, sintetizada no quadro “A Negra”, de Tarsila do Amaral. Por outro lado, apresenta um quadro de uma artista que é resultado de um doloroso processo antropofágico e seu olhar para o mesmo tema: “A Negra”.
Enquanto Tarsila pinta a negra da fazenda, a ama de leite, com seus seios preparados para o ofício da amamentação dos filhos da casa grande, Carmela pintou uma negra burguesa, filha de um dos presidentes da República do Brasil, Rodrigues Alves: Maria Helena Rodrigues Alves, que foi sua patroa e amiga. Cleber não compara talentos, não compara estilos. Não coloca uma obra contra a outra para fazer analogias diretas. Simplesmente observa a relação entre ambas, sendo a primeira, fruto de um olhar burguês para a realidade nacional, em um país escravocrata, tendo como filtro o propósito modernista, fortemente influenciado pela cultura francesa. A segunda, como sendo o olhar de uma negra a partir de outro momento histórico, para o mesmo tema. Nasce então “A Negra Moderna”, que só pode vir à luz considerado o processo antropofágico proposto por Tarsila e Oswald de Andrade.