Rebentou, afinal, a República
Os dias da proclamação da república, vistos por pessoas comuns, na Piracicaba de 1889
Trecho do romance “Piracicaba”, de David Antunes, publicado em 1959
Capa do romance “Piracicaba”, de David Antunes, ilustração por Angelino Stella, 1959.
“Rebentou, afinal, a República. Entrou a cidade em efervescência, aturdida com a inesperada notícia. Mas a abolição da escravatura exaurira a seiva da melhor exaltação e a República foi saudada com bem menor impetuosidade. Muitos, conquanto não se finassem de amores pelo regime decaído, entraram a indagar - “Será para melhor?” - como que pressentindo calamidades próximas.
Em todo o caso, até os monarquistas mais ferrenhos abaixaram a cabeça, aceitando a República sem relutância fazendo públicas declarações de sujeição à nova ordem.
Em casa de Artur foi como se morresse pessoa da família. Maldisseram Deodoro, monarquista e amigo do Imperador, por ser quem acompanhara o “viva à República” de Benjamin Constant e do Major Solon, momentos depois de ter erguido um ardoroso “viva à Sua Majestade”. Lucianinho e Cambinda, adeptos do novo regime, D. Efigênia, Cocota e D. Rafaela, que se converteram em republicanas tão cedo se conheceu a proclamação, afastaram-se da casa de Artur pela incompatibilidade da sua alegria com a tristeza mortal que lhe dominava o ambiente.
Em 1890 a má vontade contra monarquistas recrudesceu tanto, que Artur apenas se fazia visível no centro, aos domingos, quando ia à missa com a família.