Ser de direita ou de esquerda?
De antemão, é possível afirmar que a política no Brasil não se dá entre Lulistas (esquerda) e Bolsonaristas (direita). Quem pensa assim está entrevado
Há um debate meio amalucado no mercado político sobre ser de direita ou de esquerda. Ao se estabelecer essa dicotomia, a discussão tende a ficar entrevada entre dois universos de entendimento da realidade que parecem avessos um ao outro, assim como se a disputa fosse pelo sim ou pelo não, sem dar margem ao debate entre essas duas palavras antes de qualquer passo a seguir. Como diria Itamar Assunção, entre o sim e o não existe um vão. De antemão, é possível afirmar que a política no Brasil não se dá entre Lulistas (esquerda) e Bolsonaristas (direita). Quem pensa assim está entrevado.
Mesmo que se exercite o uso de outras chaves para tentar reduzir a tensão entre os dois clichês (direita e esquerda), me parece que o caminho não seria substituí-los por liberal ou conservador, por exemplo, porque, nesse caso, a discussão se estenderia ao infinito. Em primeiro lugar, porque é possível ser liberal e conservador ao mesmo tempo, a depender de onde se coloca o selo de identificação, se na economia ou nos valores morais.
Este seria um debate longo, que exigiria dos participantes uma leitura mais aprofundada, envolvendo matrizes filosóficas inglesas e americanas. Mas não precisamos ir a tanto. Podemos simplificar a conversa, colocando no lugar de posições complexas outras mais simples, como, por exemplo, ser a favor ou contra a liberdade.
Vamos classificar aqui liberdade como sendo um valor, uma condição de vida positiva, a ser defendida por todos. Estaríamos assim falando no sentido de escolhas pessoais, em uma sociedade complexa, que se movimenta pela força de seus integrantes, pela força do coletivo e seus interesses. Onde o voto é um direto de todos e o direito de participação política também é uma escolha democrática, individual, em um sistema representativo.
Devemos excluir desse rol as sociedades fechadas, sem eleições diretas para seus mandatários, porque elas não respondem aos quesitos básicos de liberdade. Com esses critérios definidos, mesmo que superficialmente, é possível eliminar da conversa todos os países em que não há democracia representativa e liberdade política para a participação da sociedade no jogo democrático: saem Cuba, Venezuela, China, Rússia, Irã, Coréia do Norte... entre outros.
Com base nesses princípios elementares, todos os partidos que se consideram democráticos precisam ter a liberdade como valor essencial e inegociável, pois não se trata de um valor relativo, valido para um e não para outro. A tese bisonha de que cada sociedade tem o direito de escolher se quer ser democrática ou não, torna-se uma retórica perigosa, que abre espaço para ditadores e facínoras, o que é avesso à sociedade livre.
Seguindo o mesmo raciocínio, todos os partidos que relativizam a liberdade individual atuam contra a democracia, no sentido amplo do termo, e se tornam perigosos para o desenvolvimento saudável de uma sociedade democrática. Hoje, não se trata de uma postura parcial, pois é consenso que o PT não tem uma posição fechada contra Maduro, contra a família Castro, contra Putin, contra Xi Jinping... A falta de uma postura objetiva condenando a falta de liberdade nessas sociedades ditatoriais coloca muita dúvida sobre a própria legenda e seu apreço à democracia. O mesmo vale para os exaltados bolsonaristas, que flertam com ideias de sociedades militarizadas e controladoras dos direitos individuais, como a própria Rússia.
A depender da leitura que se faça do problema apontado até aqui, é possível dar continuidade ao debate. Ou seja, ou se defende a democracia no sentido universal do termo, ou se é defensor de ditaduras. Esses extremos (direita e esquerda), ao tenderem para posicionamentos híbridos e circunstanciais, atuam contra a liberdade em uma sociedade aberta.
Ser contra a liberdade, portanto, como foi apontado no início do artigo, é o mesmo que compactuar com ideias autoritárias e condenáveis em qualquer sociedade. A rejeição a essa postura deve ser ampla, independente de se tratar de esquerda ou de direita. No próximo artigo, daremos sequência à explanação.