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Sonho em acordar ainda

Ela parecia estar apenas em meu sonho, mas descobri que era uma metáfora universal da pieguice Nhala Seca que havia tomado conta das minhas fantasias caipiras

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Romualdo da Cruz Filho
abr 29, 2025
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O Brasil parece um pesadelo, daquele em que os personagens monstruosos insistem em se manter na cena. Mesmo que os ignoremos, mesmo que fujamos deles, eles são invencíveis. Mais hora, menos hora, se fazem onipresentes para nos surpreender. Não adianta de nada o nosso esforço em combatê-los. Não adianta?

Meu pesadelo com o Brasil começou com José Sarney. Apesar de estar com mais de 500 anos, este homem ainda vive e ainda faz política. De vez em quando o vejo em tela de fundo, como personagem secundário, mas muito familiar. Desejei muito ver um dia nosso país sem Sarney e seus fantasmas, mas fracassei tremendamente.

Tomei óleo de tambor de 200 litros. Comi arroz e feijão de saco de 60 quilos. Fiz pão caseiro para vencer a inflação. Que nada. Ligava a TV e estava lá o senhor das trevas, impassível, me convocando inclusive para ser seu fiscal. Ele nasceu da costela de Tancredo Neves, em um parto mirabolante que dividia o país em dois mundos, dos militares e dos civis, sem que eu pudesse ver a diferença prática entre ambos, a não ser que em um eu era pobre e não sabia, no outro eu tinha a plenitude da minha miséria.

Me diverti uma vez com os irmãos Caruso cantando no teatro Losso Netto em uma abertura do Salão de Humor de Piracicaba. Eles eram destemidos e diziam em alto e bom som uma provocação para a filha de Sarney, Roseane: “Vem, vem comigo, que vou fazer contigo o que teu pai fez com o Brasil”.

Fernando Collor me trouxe a esperança de que meu desespero estava no fim, mas durou apenas alguns dias. Zélia Cardoso foi uma sombra devastadora e emblemática do meu poder de criação cara pintada. Ela parecia estar apenas em meu sonho, mas descobri que era uma metáfora universal da piegas Nhala Seca que havia tomado conta das minhas fantasias caipiras.

Pedro Mello insinuou que eu viveria bons momentos faustianos. Ao menos, meus pesadelos ganhariam a força bruta de uma natureza mórbida, que me colocaria no coração das trevas. Jamais degustei, no entanto, a essência da natureza diabólica, como os românticos. Se ele ajudou a colocar óleo na pista do seu irmão, que seguia veloz na contramão, não foi capaz de morrer por uma causa justa.

Itamar, nesse cenário, foi uma odalisca que fez política sem calcinha. Seu grande mérito foi erigir Fernando Henrique Cardoso, um príncipe que se demonstrou sábio, revelou a luz no alto da serra e mergulhou em amores escusos com o poder dos seres do meio.

Lula foi parido pelos seres do meio. Seu poder sibilante era de serpente a denunciar o pecado do mundo. Mas não foi necessário um gesto sequer para que ele obedecesse aos seus instintos corruptores e corrupto elementares. Filho de mãe nascida analfabeta, aprendeu rapidinho a lógica sofística que o levaria ao pináculo do gangsterismo.

Com a lava-jato, quase acreditei em forças supremas do bem, mas o STF deixou claro que em termos de pesadelo, eles também seriam personagens com habilidade o suficiente para provocar metamorfoses quantas forem necessárias em minha noção de tempo e superação, para que o Brasil se gilmarizasse e se alexandrizasse tal qual os demais mentecaptos de toga, e voltei ao meu leito de dor, com os músculos exaustos de corer em vão.

O STF fez Lula se tornar a mariposa que saiu do casulo, onde ele viveu por mais de 500 dias, e voltasse a reinar como o Escaravelho do Diabo, que assassinou todas as minhas fantasias pueris, sem deixar sequer uma fresta para a fuga.

Bolsonaro foi a antítese de Lula. Bolsonaro foi a síntese de Lula. Bolsonaro foi o cara que trouxe o outro extremo do meu sonho em seus primórdios, fundindo o mundo civil ao militar, o que resultou em uma truculência atroz com a inteligência dos quartéis, revelando que tanto lá como cá a luz bate no morro e vaga no espaço, sem iluminar uma mente sequer.

Hoje vivo a penúria de que sou real no pesadelo que é o Brasil. Sarney, Collor, Lula, Bolsonaro, Gilmar, Alexandre..., todos personagens canhestros, não me dão trégua desde os meus primeiros dias, nem para eu pensar em política. Sempre que tento pensar em política, me chega um mensageiro desta antessala do desespero para estraçalhar os meus planos de um dia acordar ao som da língua de homens honestos comandando o Brasil. Sonho em acordar ainda.

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Romualdo da Cruz Filho
Jornalista e, à moda antiga, leitor de livros de papel
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