Trevisan apresenta PLC para regularização fundiária; MP aponta erro de iniciativa
O promotor de Justiça do Gaema, Ivan Carneiro, afirma que dos 50 loteamentos irregulares existentes em Piracicaba, cerca de 40 já estão com ações civis públicas para desfazimento
Foto: Guilherme Leite
O vereador Laércio Trevisan (PL) protocolou nesta quinta-feira (20) o projeto de lei complementar que ajusta dispositivos da Lei Complementar 404/2019, sobre regramentos para Regularização Fundiária de Núcleos Rurais em Piracicaba.
Segundo ele, a propositura está conforme as leis federais que tratam do assunto, bem como em consonância com o marco legal, que delimita a possibilidade de regularização de loteamentos rurais construídos a partir de 22 de dezembro de 2016, seguindo uma interpretação específica que o vereador faz da mesma.
Em sua justificativa, Travisan argumenta que: “A necessidade da regularização fundiária se dá pelo fato de proporcionar segurança jurídica aos adquirentes, que, na maioria dos núcleos existentes em Piracicaba, já se encontram consolidados, com vias de circulação, equipamentos públicos, moradia e outros elementos essenciais.”
Ele afirma ainda que “a regularização contribuirá para a criação de receita a ser arrecadada pelo Município e para a efetivação do direito à moradia legalizada e da dignidade da pessoa humana, princípios garantidos pela Constituição Federal.”
Para contornar o marco legal, Travisan considera que “A Lei Federal 13.465/2017 não recepcionou o marco legal temporal disposto na Medida Provisória 759/2016, permitindo assim que a regularização fundiária rural ocorra sem limitação temporal, conforme os critérios definidos no art. 11 da referida lei. Dessa forma, a presente proposta visa alinhar a legislação municipal com a normativa federal vigente, garantindo segurança jurídica e efetividade na aplicação das normas.”
Posição do Ministério Público
No entanto, a proposta do vereador encontra um contraponto no entendimento do Ministério Público (MP) sobre o tema. O Promotor de Justiça do Gaema PCJ do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP/SP), Ivan Carneiro Castanheiro, estudioso do assunto, diz que o projeto de lei complementar do vereador incorre em um vício de iniciativa. Porque leis sobre uso e ocupação de solo só podem ser propostas pelo município, no caso, o Poder Executivo, e não pelo Legislativo. “Há inclusive julgamento de inconstitucionalidade nesse sentido”, observa.
“Há também o marco legal do saneamento. A lei federal deixa claro que após a data estabelecida não pode haver estímulo a novas ocupações rurais. Se, apesar da lei, as pessoas fizessem novos loteamentos para que eles fossem regularizados posteriormente, isso seria um incentivo e não um desestímulo, como diz a lei. Porque regularizar significa voltar ao passado e não avançar para o futuro. Se eu posso construir irregularmente e regularizar depois, para que serve a lei federal de parcelamento de solo, o plano diretor, entre outros regramentos? Se a própria lei permite construir agora para regularizar depois de quatro anos, quando os loteamentos se consolidarem, para que serviu o marco legal?”, explica.
Ainda no entender do promotor, o município pode sim editar leis para regularizar ocupação de solo, mas precisa sempre ser mais rigoroso e não benéfico, como se deu com a Lei Complementar 404/2019, que o vereador pretende agora flexibilizar, confrontando assim com a lei federal de 22 de dezembro de 2016, que estabelece a data limite para regularização. Ou seja, somente loteamentos que nasceram antes dessa data são passíveis de regularização. Regularizar significaria criar problemas de abastecimento, de esgotamento sanitário, tratamento de resíduos, bem como prejudicar a vocação agrícola da área rural.
Carneiro explicou ainda que, dos 50 loteamentos irregulares existentes em Piracicaba, cerca de 40 já estão com ações civis públicas para desfazimento, seguindo a proposta do próprio município. A maioria já com liminar para impedir que eles se desenvolvam, evitar novas vendas de imóveis, etc. “No final do ano passado, o MP apresentou à justiça uma ação sobre um loteamento irregular da cidade, que recebeu liminar para impedimentos de avanços do empreendimento, com instalação de placas proibindo vendas de imóveis e que deve ser fiscalizado periodicamente pelo município, para que a decisão da justiça seja obedecida. O MP pediu inclusive desfazimento imediato do loteamento, até para se evitar posteriormente a alegação de que já está consolidado. A loteadora recorreu e o tribunal manteve a decisão do juiz da segunda Vara da Fazenda, Maurício Abici. Não há ainda decisão sobre desfazimento.”