Trump, o negociador implacável
Um dia a Ucrânia está no inferno, em outro, prestes a sair do inferno
Pouco sabemos e talvez jamais saberemos como estão se dando de fato as negociações americanas que visam chegar a um acordo de paz que coloque fim à invasão russa na Ucrânia. Donald Trump afirma que o fim da guerra deve acontecer em questões de semanas. Difícil acreditar.
As informações que circulam pela imprensa internacional são ambíguas. Em um momento, Trump menospreza Zelenski e seu país, o que soa apoio explícito a Putin. Em outro momento, pelo que se interpreta das falas americanas, tem-se a Ucrânia como a maior beneficiária das negociações, com apoio geral da Europa.
Ou seja, um dia a Ucrânia está no inferno, em outro, prestes a sair do inferno. Mas a temperatura da guerra continua a mesma. É parte da estratégia da pressão total do governo americano na Era Trump, até que se chegue ao ponto de equilíbrio para os EUA. Mais precisamente, para Trump, que tem uma visão mercadológica de negociação e é implacável em seus lances.
Fico imaginando como Trump negociaria um caminhão de arroz com um vendedor em dificuldades. Primeiro, o convidaria para ir em sua fazenda com o caminhão lotado de grãos. A negociação se daria em um ambiente estranho e de difícil acesso, onde é servido um café. Neste momento, Trump propõe um preço vergonhoso pela tonelada do produto para arrematar o caminhão inteiro, mas que não resolve em nada a situação do vendedor.
Percebendo que a viagem foi perdida, o vendedor de arroz desconversa e tenta ir embora. No mesmo instante, Trump dá um telefonema e fica sabendo que a ponte de acesso à fazenda acabou de cair por causa de um vendaval repentino. Mas pede para que o vendedor fique tranquilo e durma na fazenda, até que tudo se resolva.
Desesperado com a validade do arroz, o vendedor diz que precisa escoar o produto com urgência. Trump volta a negociar e abaixa ainda mais o preço. “Se você não vender esse arroz para mim, corre o risco de perder a carga total, o que é lamentável, porque ela vai apodrecer até que a ponte seja concertada. São coisas que acontecem e não temos muito o que fazer, a não ser aceitar os fatos. Se decidir me vender o produto, até pago alguns centavos a mais por tonelada e te levo de helicóptero para casa. Do outro lado do rio, você terá um caminhão igualzinho ao seu”.
Sem poder se movimentar para se certificar do que está acontecendo de verdade, e para que seu prejuízo não seja ainda maior, o vendedor aceita o dinheiro e também a carona. Ele nunca saberá se a ponte caiu mesmo, mas não terá dúvida de que foi vítima de um negociador implacável.
Entre Putin e Zelenski, é difícil saber qual está sendo vítima do golpe do arroz. Talvez os dois. Mas nenhum deles é tão ingênuo como o vendedor de arroz da historinha acima, o que exige mais habilidade da equipe de Trump para trapacear. Ou melhor, para negociar. Em último caso, Trump fica com o arroz e com a fazenda, que também nunca foi sua, e repassa toda a dívida dos seus acordos para os países da Europa, depois de um telefonema.
Enquanto isso, a Rússia continua despejando mísseis na Ucrânia, mas a culpa pela guerra, a partir de então, se torna integralmente dos países europeus, por não terem derrubado a ponte no momento em que receberam o telefonema de Trump. E serão acusados de não terem levado a sério as negociações.